|
Texto Anterior | Índice
Crítica/"João"
Personagem está mais vivo do que nunca
JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA
Ao ver "João", o documentário sobre João
Saldanha, é impossível
não lembrar a piada das cabras
que pastavam em Hollywood:
uma vê um rolo de filme no pasto e o engole, a outra pergunta
sobre o que achou, e ela responde que gostou mais do livro...
É que o documentário gerou
um grande livro, "João Saldanha, uma Vida em Jogo", de um
dos dois diretores do filme, André Iki Siqueira.
Era tanto material colhido
para o documentário que ele teve pena de simplesmente jogar
fora aquilo que não cabia na
edição. E escreveu uma biografia exemplar, lançada pela
Companhia Editora Nacional.
Mas, felizmente, o filme, dirigido também por Beto Macedo,
está longe de frustrar quem
gostou do livro. E seu grande
mérito é não ter economizado
em Saldanha, como é comum
neste tipo de documentário,
que usa e abusa dos depoimentos sobre o personagem central
e muitas vezes o esconde.
Aqui, não. Tem João para todos os gostos, porque tem João
Saldanha como ele era. Tem o
João sem medo, antes de mais
nada, sua característica principal. Mas tem, também, o João
dissimulado, o João provocador, o João conservador, o João
reacionário, o João revolucionário, o João fantasioso, o João
fantástico, o João fabuloso.
E não faltam bons depoimentos, como os de suas viúvas, desde a que o perdeu para o
Partido Comunista Brasileiro
até a mãe de uma de suas filhas,
que o deixa nu em seu machismo -indignado com o fato de
ela usar um maiô de duas peças,
que mostrava um tiquinho de
nada de sua barriga.
Para brincar de objetivos, os
diretores ouvem até o também
já morto Caixa D'Água, um cartola pernicioso e metido a intelectual que odiava Saldanha.
Seu depoimento é um tal bestialógico que até uma criança
que não conheça nada de nenhum dos personagens tomará
o partido de Saldanha.
Siqueira e Macedo alimentaram o projeto do filme convencidos de que o mocinho em
questão não era suficientemente reverenciado e que estava
sendo esquecido desde sua
morte, em 1990, durante a Copa da Itália, que ele foi cobrir
sabendo que dificilmente voltaria vivo.
Pois, se estava, não está mais.
Está lá por inteiro o filho do
latifundiário maragato que
cresceu entre armas e conflitos
sangrentos, o que explica quase
tudo de sua personalidade e
destemor, seja como rato de
praia, técnico de futebol, jornalista ou militante político.
Livro e documentário fazem
um par perfeito para se entender uma figura que não é apenas parte importante da história do futebol ou do jornalismo
brasileiro, mas, sim, da história
do Brasil, um autêntico gênio
da raça, com todas as suas contradições, manias, bons e maus
humores e uma incrível capacidade de ser corajoso e solidário.
O documentário mostra isso
tudo e de maneira tão viva, tão
natural e sem intervenções arbitrárias ou maniqueístas que,
depois de vê-lo, fica a impressão de que aquele João está vivo, mais vivo do que nunca.
E, se não está, sem dúvida deveria.
Vá ver. E o abrace por mim.
JOÃO
Quando: hoje, às 21h; amanhã, às 13h
Onde: Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3087-0500)
Quanto: grátis
Avaliação: bom
Texto Anterior: Curta de Antonio Dias passa no Rio Índice
|