São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2008

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Crítica/"João"

Personagem está mais vivo do que nunca

JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA

Ao ver "João", o documentário sobre João Saldanha, é impossível não lembrar a piada das cabras que pastavam em Hollywood: uma vê um rolo de filme no pasto e o engole, a outra pergunta sobre o que achou, e ela responde que gostou mais do livro...
É que o documentário gerou um grande livro, "João Saldanha, uma Vida em Jogo", de um dos dois diretores do filme, André Iki Siqueira.
Era tanto material colhido para o documentário que ele teve pena de simplesmente jogar fora aquilo que não cabia na edição. E escreveu uma biografia exemplar, lançada pela Companhia Editora Nacional.
Mas, felizmente, o filme, dirigido também por Beto Macedo, está longe de frustrar quem gostou do livro. E seu grande mérito é não ter economizado em Saldanha, como é comum neste tipo de documentário, que usa e abusa dos depoimentos sobre o personagem central e muitas vezes o esconde. Aqui, não. Tem João para todos os gostos, porque tem João Saldanha como ele era. Tem o João sem medo, antes de mais nada, sua característica principal. Mas tem, também, o João dissimulado, o João provocador, o João conservador, o João reacionário, o João revolucionário, o João fantasioso, o João fantástico, o João fabuloso.
E não faltam bons depoimentos, como os de suas viúvas, desde a que o perdeu para o Partido Comunista Brasileiro até a mãe de uma de suas filhas, que o deixa nu em seu machismo -indignado com o fato de ela usar um maiô de duas peças, que mostrava um tiquinho de nada de sua barriga.
Para brincar de objetivos, os diretores ouvem até o também já morto Caixa D'Água, um cartola pernicioso e metido a intelectual que odiava Saldanha. Seu depoimento é um tal bestialógico que até uma criança que não conheça nada de nenhum dos personagens tomará o partido de Saldanha.
Siqueira e Macedo alimentaram o projeto do filme convencidos de que o mocinho em questão não era suficientemente reverenciado e que estava sendo esquecido desde sua morte, em 1990, durante a Copa da Itália, que ele foi cobrir sabendo que dificilmente voltaria vivo.
Pois, se estava, não está mais. Está lá por inteiro o filho do latifundiário maragato que cresceu entre armas e conflitos sangrentos, o que explica quase tudo de sua personalidade e destemor, seja como rato de praia, técnico de futebol, jornalista ou militante político.
Livro e documentário fazem um par perfeito para se entender uma figura que não é apenas parte importante da história do futebol ou do jornalismo brasileiro, mas, sim, da história do Brasil, um autêntico gênio da raça, com todas as suas contradições, manias, bons e maus humores e uma incrível capacidade de ser corajoso e solidário.
O documentário mostra isso tudo e de maneira tão viva, tão natural e sem intervenções arbitrárias ou maniqueístas que, depois de vê-lo, fica a impressão de que aquele João está vivo, mais vivo do que nunca.
E, se não está, sem dúvida deveria. Vá ver. E o abrace por mim.


JOÃO
Quando:
hoje, às 21h; amanhã, às 13h
Onde: Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3087-0500)
Quanto: grátis
Avaliação: bom


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