|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nelson "encarna" espírito de Chico Xavier
Ateu e comunista, Nelson Xavier, aos 69 anos, passa a falar em "amor" e "astros" após interpretar o médium Chico Xavier
Ator se emociana ao falar sobre a experiência no filme de Daniel Filho, dizendo ser o primeiro papel que realmentou desejou fazer
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Há, em "Chico Xavier", o novo candidato a blockbuster do
diretor Daniel Filho, um fato
que não carece de fé para ser
partilhado: a impecável atuação de Nelson Xavier, 69. Representando o médium Chico
Xavier na última fase da vida, o
ator vive o personagem com
uma semelhança que começa
nos trejeitos e chega ao olhar.
"Foi tudo muito comovente",
repete Xavier, a quem quer que
lhe faça perguntas sobre o papel. O Xavier médium fez, curiosamente, com que outro Xavier ator surgisse. Ex-integrante do Partido Comunista, nome
de proa do Teatro de Arena e do
Cinema Novo, ganhou, após o
filme, nova fala na vida real.
"Desde a leitura do livro, foi
como se o Chico tivesse me invadido", diz, referindo-se à biografia "As Vidas de Chico Xavier", de Marcel Souto Maior.
"Mas era uma invasão feliz. No
meu olhar ateu, identifiquei
energia que só podia vir dele."
Instado a explicar melhor
que energia é essa, Xavier, primeiro, impacienta-se, como se
pressentisse, na pergunta, certa descrença. Aos poucos, porém, volta a descontrair-se e, ao
lembrar das projeções em Uberaba e Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, fica com os olhos rasos d'água. "É uma energia que
só pode vir dele e que me faz assim como você está vendo. Ultrapassa o trabalho de busca do
personagem. É uma vivência."
O ator também tem repetido
que esse foi o primeiro papel
que desejou de fato fazer em toda sua carreira. Como todos os
brasileiros, sempre ouviu falar
de Chico Xavier, mas nunca
prestou atenção, apesar de,
quando menino, ter sido levado
pela mãe a centros espíritas.
"Nunca neguei aquilo, apenas não me interessava. Mas
agora entendi que minha vida
espiritual é mais próxima de
mim do que sempre admiti."
E então Xavier pronuncia,
com a serenidade que é também peculiar à fala do personagem, uma frase que retornará,
sob diferentes formas, em outros momentos da conversa: "É
o amor que move os astros e as
estrelas. Antes, eu considerava
isso uma verdade poética. Hoje,
sei que isso é uma realidade. É o
amor que nos move em direção
ao progresso da humanidade."
E assim ele liga o passado comunista ao presente espiritualizado. "Entrei para o partido
porque acreditava no progresso
da humanidade. Adoro Che,
Trotsky, mas as revoluções ficaram no século 20. Hoje, só
nos resta o caminho do amor."
Xavier não apenas integrava
o PC como chegou a fazer curso
de luta armada. Ainda hoje se
lembra, com certa aflição, do
dia em que se flagrou rastejando pelo chão num pequeno
apartamento. Recorda-se também da alegria que sentiu ao saber do sequestro do embaixador norte-americano Charles
Elbrick, em 1969.
Sua politização está diretamente ligada ao Teatro de Arena. Ali, na convivência com Augusto Boal e Gianfrancesco
Guarnieri, diz ter descoberto
que, como artista, tinha também um papel social a cumprir.
Convenceu-se tanto da lição
que deixou o Arena e foi para
Pernambuco trabalhar num
movimento de cultura popular
que usava o método Paulo Freire. "Montamos uma peça sobre
o movimento camponês, achávamos que íamos mudar o país.
Era tudo inocência nossa."
Do teatro camponês e de filmes como "Os Fuzis", de Ruy
Guerra, e "A Falecida", de Leon
Hirszman, guarda um país que,
a seu ver, a ditadura calou. "Hoje, está tudo dominado pelo
mercado. E se você não dialoga
minimamente com o sistema,
fica à margem. Não venci o sistema, mas também não me
comprometi com ele."
CHICO XAVIER
Diretor: Daniel Filho
Produção: Brasil, 2010
Com: Nelson Xavier, Giovanna Antonelli e Tony Ramos
Classificação: Livre
Onde: Bristol, Espaço Unibanco Pompeia e circuito
Texto Anterior: Exposição traz obra de Isaac Julien Próximo Texto: Frases Índice
|