São Paulo, sábado, 02 de abril de 2011

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CRÍTICA FILOSOFIA

Giannotti resgata história e Wittgenstein em novo livro

"Lições de Filosofia Primeira" expõe os andaimes temporais do filósofo


EMBORA PAREÇA UM ENSAIO HISTÓRICO, COM CAPÍTULOS DEDICADOS A AUTORES E ESCOLAS, O RESULTADO FINAL NÃO É BEM ESSE



GIANNOTTI PROCUROU PÔR UMA LITERATURA VASTA A SERVIÇO DO ENCAMINHAMENTO DE PROBLEMAS FILOSÓFICOS CENTRAIS


JOÃO VERGÍLIO GALLERANI CUTER
ESPECIAL PARA A FOLHA

No Brasil, a filosofia só saiu da infância quando passou a analisar os textos clássicos com o devido cuidado, e percebeu o quanto nossos padres e bachareis filosofantes estiveram longe de produzir qualquer coisa digna de análise.
Resolvemos pôr as barbas filosóficas de molho e fazer apenas história. Oswaldo Porchat foi uma exceção.
Opôs ao "ceticismo de resultados" dos exegetas um outro, finamente argumentado, que oferecia excelentes razões para continuarmos sendo exatamente o que somos.
José Arthur Giannotti foi outro a se rebelar. Nunca teve a vocação meticulosa e ruminante do historiador. Percorreu personalíssimamente uma literatura filosófica vasta, indo de Platão a Wittgenstein (1889-1951), e procurou pô-la a serviço do encaminhamento (e não da mera articulação) de problemas filosóficos centrais.
É isso que o leitor encontrará, mais uma vez, em seu mais recente livro, "Lições de Filosofia Primeira".
Muito embora pareça um ensaio histórico, com capítulos confessadamente dedicados a autores e escolas, o resultado final não é bem esse.
O que ele faz é ruminar o problema das relações entre lógica e ontologia num contexto marcado pelo abandono de um lógos com pretensões universalizantes.
O pano de fundo dessa questão (e de boa parte do que Giannotti escreveu nos últimos quinze anos) é o ensaio introdutório escrito por Luiz Henrique Lopes dos Santos para o "Tractatus Logico-Philosophicus" de Wittgenstein (1889-1951).
No ensaio, escrito em 1993, Luiz Henrique procurava mostrar de que modo o "Tractatus" leva ao limite a ideia de que as articulações últimas do real podem ser buscadas através de um questionamento a respeito das articulações últimas da linguagem.
O que Giannotti faz, a partir de 1995, em seu livro "Apresentação do Mundo", é recolocar esse problema do ponto de vista de quem aceita a demolidora crítica que o próprio Wittgenstein fez, em suas "Investigações Filosóficas", às ideias expressas no "Tractatus".
Agora, em "Lições de Filosofia Primeira", as cartas daquele baralho organizado tematicamente em "Apresentação do Mundo" são reembaralhadas de uma perspectiva temporal. Os andaimes históricos de seu pensamento ficam, assim, expostos.

IMPERFEIÇÕES
Há uma série de imperfeições, que uma segunda edição deve procurar corrigir -a tradução de um fragmento póstumo de Nietzsche, na página 218, talvez seja o caso mais urgente. Picuinhas.
Afora isso, há o estilo e o modo de raciocínio característicos de Giannotti. O texto é frequentemente truncado, os argumentos são mais esboçados que desenvolvidos, pula-se de um assunto a outro sem nenhum preâmbulo, as interpretações de textos obscuros conseguem, por vezes, ser mais obscuras do que o próprio texto examinado.
Isso, porém, não pode nem deve ser corrigido. Faz parte da persona filosófica do autor, sem a qual ele ficaria irreconhecível.
Para além do bem e do mal de suas idiossincrasias, foi no convívio com esse turbilhão conceitual que três gerações sucessivas de filósofos se formaram, fizeram suas perguntas e talvez procurem, um dia, articular suas respostas.

JOÃO VERGÍLIO GALLERANI CUTER é professor de filosofia da linguagem da USP

LIÇÕES DE FILOSOFIA PRIMEIRA

AUTOR José Arthur Giannotti
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 49 (392 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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