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"PELA VIDA DE UM AMIGO"
Culpa ganha cara no fim
especial para a Folha
"Pela Vida de um Amigo" é um
sofrimento -e não só para os personagens. Mas, ao contrário do
que disse boa parte da crítica americana à época do lançamento do
filme nos Estados Unidos, em 98, é
daí que vem o seu interesse.
O filme é uma rara e desconfortável representação da culpa em estado bruto. Tudo é sobre a culpa,
todas as relações estão baseadas na
culpa e são devastadas por ela;
uma culpa tão forte que mesmo o
amor, o romance que se esboça a
certa altura, acaba padecendo no
confronto, em sua debilidade.
A culpa está em toda parte, anulando e invertendo tudo, o instinto
de sobrevivência, a inteligência, e
reduzindo a amizade e o amor a
manifestações desconfiadas, interessadas, o contrário da amizade e
do amor.
É do desconforto dessa destruição onipresente que vem a inteligência do argumento, aliás baseado no filme francês "Force Majeure" (1989), de Pierre Jolivet.
Três rapazes americanos em férias se encontram na Malásia. São
jovens inconsequentes (se preocupam no máximo, como todo jovem
americano, com alguma espécie
em extinção) e se divertem: fumam
haxixe, transam com as locais, vão
à praia. Estão ali pela aventura e
pelo exótico.
Ao final da temporada, um deles
decide ficar e defender os orangotangos, enquanto os dois outros
voltam para Nova York.
Dois anos depois, um deles, que
agora é motorista de limusine, é
procurado por uma advogada que
lhe informa que o amigo que ficou
na Malásia passou os últimos dois
anos preso por causa do haxixe
que os companheiros deixaram
antes de partirem e que será enforcado dentro de oito dias por tráfico.
A única maneira de salvar o rapaz da forca é levando os outros
dois de volta à Malásia (daí o título
um tanto sarcástico em inglês:
"Return to Paradise") para assumirem parte da culpa. Nesse caso,
cada um teria de passar três anos
numa prisão aterrorizante e à mercê de um sistema judiciário que parece ter se inspirado no filme "O
Expresso da Meia-Noite".
Todo o roteiro, com a advogada
tentando convencer os dois a voltarem para salvar a vida do outro,
se sustenta no dilema da culpa. E
de uma forma tão ostensiva (sempre a afirmação desse mesmo sentimento que está, como deus, em
toda parte), que o espectador é deixado num estado de permanente
desconfiança, à espera de uma reviravolta, achando que a qualquer
momento aparecerá algo para tornar o filme menos radical e desconfortável, e mais americano.
E a reviravolta vem, infelizmente, com o aparecimento de uma repórter caricaturalmente voraz, que
põe tudo a perder.
A atmosfera doentia instalada
pela culpa (esse mundo sem razão
e que não deixa opções aos personagens além de se auto-imolarem)
vai se esvaziando conforme o mal
ganha por fim uma encarnação na
imprensa e na Justiça podre de
Terceiro Mundo.
São ambos (a imprensa e a barbárie do subdesenvolvimento),
afinal, os culpados de tudo. E agora
que a culpa já tem uma imagem, o
espectador pode respirar aliviado,
porque aquele desconforto difuso
que podia fazer desse filme uma
obra totalmente estranha e original acabou reduzido à velha banalidade do maniqueísmo hollywoodiano.
(BC)
Filme: Pela Vida de um Amigo
Produção: EUA, 1997
Direção: Joseph Ruben
Com: Vince Vaughn, Anne Heche e Joaquin
Phoenix
Quando: a partir de hoje, nos cines Eldorado
3, Morumbi 6, Cinearte 2 e circuito
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