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Lulinha de pelúcia
O carioca
Raul Mourão encaixota boneco do presidente em exposição
em SP e debocha da imagem "paz e amor"
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Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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O artista plástico Raul Mourão, que abre exposição hoje em SP |
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
A recém-inaugurada galeria
Oeste, no bairro de Pinheiros, em
São Paulo, exibe a partir de hoje a
mostra "Lulinhadepelúcia e Outras Coisas", do artista plástico carioca Raul Mourão. A idéia de
criar bonecos de pelúcia inspirados no presidente Luiz Inácio Lula da Silva é anterior à crise do
mensalão.
Na realidade, já durante a campanha eleitoral, em 2002, o artista
cogitava transformar o então candidato em brinquedo de criança.
"Lula parece o candidato das
criancinhas", comentava ele à
época, referindo-se ao jeito de falar e à performance do petista,
que se autodesignou "Lulinha paz
e amor".
Com o tempo, o projeto saiu da
esfera da brincadeira e acabou entrando no circuito da arte. O "processo de bonequização" do presidente foi levado a termo e, com o
produto básico realizado, Mourão passou a criar situações a partir dele. No Rio, o "Lulinhadepelúcia" (assim mesmo, grudado,
como o artista batizou a coisa)
transformou-se numa instalação
na galeria Lurixs. Desenhos preliminares do boneco também foram enviados a artistas com o desafio de que os completassem
com idéias próprias.
Em São Paulo, Mourão privilegiou peças nas quais o Lulinha
aparece socado em caixas de madeira e vidro e, mais uma vez,
contou com a colaboração de outros artistas. Entre os convidados
para interferir em desenhos, estão
Artur Lescher, José Spaniol, Leda
Catunda, Renata Lucas, Rochelle
Costi e Carlito Carvalhosa.
Projeto controvertido, que desperta reações variadas, de adesão
e repulsa (além de considerações
variadas sobre seu alcance artístico), "Lulinhadepelúcia" naturalmente encontrou eco na mídia, e
o próprio presidente da República solicitou um exemplar. Na entrevista que se segue, fruto de conversas e trocas de e-mail, o artista
plástico fala sobre o trabalho e
suas articulações com o ambiente
político e também artístico.
Folha - O projeto "Lulinhadepelúcia" nasceu antes da crise política
deflagrada pelo mensalão. Qual
era a idéia na época?
Raul Mourão - "Lulinhadepelúcia" é um personagem da minha
ficção a partir da banalização da
imagem do presidente, um comentário debochado sobre o "Lulinha paz e amor". Naquele momento, me incomodava profundamente o adesismo da mídia e o
deslumbramento da militância.
Nasceu como uma ação de humor, de provocação. As anotações ficaram guardadas no ateliê
até que, em dezembro de 2004,
iniciei os primeiros desenhos,
pesquisa com fabricantes de bonecos e o trabalho começou a ganhar corpo. No meio do processo,
Roberto Jefferson jogou lama no
ventilador, e o trabalho ganhou
uma conotação mais política. Passei a acompanhar o noticiário alucinadamente, fiquei viciado em
informação.
Folha - Você não teme que a política imediata envolva por demais o
projeto e retire dele um sentido de
permanência?
Mourão - A arte hoje está se
aproximando de questões políticas, apesar de os políticos se afastarem das questões da arte. Política é assunto que interessa um número cada vez maior de artistas.
Lembro-me de Gil Vicente, de Recife, que fez pinturas com Bush,
Lula e o papa; de Jarbas Lopes, do
Rio, que mostra na semana que
vem em SP uma série maravilhosa
com sucata de material de campanha política; e de Vik Muniz, que
fez o retrato do Lula. Fora os trabalhos de caráter social, que são o
sucesso da temporada.
Sobre a permanência do trabalho, tenho ouvido algumas pessoas afirmarem que o "Lulinhadepelúcia" acabou se transformando numa espécie de suvenir
da crise, quase um ícone deste
momento lastimável.
Acho difícil apagar rapidamente do imaginário da nação a seqüência de imagens de péssima
qualidade, como a dança da pizza,
o dinheiro na cueca, a quebra do
sigilo do caseiro etc. "Lulinhadepelúcia é mais uma imagem medíocre que integra essa família. A
bonequização do mandatário
máximo da nação. Um cartum no
mundo real. Um objeto de arte
que furou o circuito convencional
ateliê-galeria-museu-coleção privada, chegando aos jornais populares, cadernos de política, economia, revistas de celebridades etc.
Folha - Como será a mostra que
você inaugura em São Paulo? Será
diferente da carioca?
Mourão - A exposição chama-se
"Lulinhadepelúcia e Outras Coisas" e é bem diferente da que
apresentei no Rio. São 24 caixas
onde o boneco se encontra confinado. Além disso, apresento quatro obras gráficas inéditas e convidei 20 artistas para criarem desenhos a quatro mãos. É uma espécie de jogo em que provoco o artista a sair da sua rotina, "sua palheta", para se debruçar numa
pesquisa que não é a dele. É quase
uma coletiva dentro de uma individual. Resulta da vontade de ouvir o outro, de dialogar com outros artistas. Acredito no encontro dos artistas como um acontecimento que deva ser cultivado.
Folha - Como você reagiria à crítica de que esse trabalho é uma intervenção política, engenhosa e divertida, mas que não pode ser considerada arte?
Mourão - Se pensarmos bem, todo trabalho de arte hoje já traz essa pergunta. Esse trabalho também é uma pergunta, é um questionamento. "Lulinhadepelúcia"
veio para confundir. As pessoas
não enxergam onde está a arte do
nosso tempo. O país trata mal
seus criadores e sua cultura. O resultado está estampado nos jornais. Estamos bem no agrobusiness e no cacete a quatro, mas o
país perde identidade, e a população vive em crise de auto-estima e
parece desorientada.
Folha - Você vê semelhanças entre esse trabalho e coisas feitas por
artistas pop, como Andy Warhol?
Mourão - Vejo muitas coincidências, mas "Lulinhadepelúcia"
não é pop, é popular, extremamente popular. É diferente. "Lulinhadepelúcia" é um nome fácil e
curioso. Tão rápido e fácil quanto
uma boa piada. Apesar de já ter
desenvolvido trabalhos que partem de imagens e acontecimentos
populares, como o futebol, os botequins e as grades que cercam os
edifícios, nada teve tanta repercussão. Isso é positivo, levou mais
gente para ver a exposição e abriu
vários debates.
Folha - Pessoalmente, como artista e cidadão, como você vê o governo Lula?
Mourão - Uma tragédia. Um desastre. Faltam quadros. O presidente, seu governo e seu partido
estão envolvidos numa sucessão
de escândalos inacreditáveis. Parte da população vive sem esperança de um futuro melhor, sem a
possibilidade de sonhar. É hora de
repensar muita coisa.
Folha - Você ainda pretende dar
prosseguimento a esse trabalho ou
o ciclo do "Lulinha" está esgotado?
Mourão - Estou negociando com
o centro cultural ECCO para levar
a mostra para Brasília. Depois, a
série se encerra. Paralelamente, já
estou trabalhando numa exposição chamada "Movimento", que
reúne três vídeos inéditos e outros
quatro que realizei de 1994 para
cá. Além disso, estou interessado
em trabalhar mais com as coisas
que estão ao meu redor, na minha
rua, no meu bairro. Estou mergulhado 24 horas na Lapa, no Rio,
onde fica meu ateliê, atrás de imagens e personagens. Os moradores e trabalhadores do dia e a população boêmia que invade as
ruas à noite. Desse mergulho, já
surgiu a obra "Sonoro", uma série
de "Fitografias" e alguns textos.
Lulinhadepelúcia e Outras Coisas
Quando: de ter. a sex., das 12h às 20h;
sáb., das 10h às 15h; até 3/6
Onde: galeria Oeste (rua Mateus Grou,
618, tel. 0/xx/11/3815-9889)
Quanto: entrada franca
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