São Paulo, terça-feira, 02 de maio de 2006

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Lulinha de pelúcia


O carioca Raul Mourão encaixota boneco do presidente em exposição em SP e debocha da imagem "paz e amor"


Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O artista plástico Raul Mourão, que abre exposição hoje em SP


MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA

A recém-inaugurada galeria Oeste, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, exibe a partir de hoje a mostra "Lulinhadepelúcia e Outras Coisas", do artista plástico carioca Raul Mourão. A idéia de criar bonecos de pelúcia inspirados no presidente Luiz Inácio Lula da Silva é anterior à crise do mensalão.
Na realidade, já durante a campanha eleitoral, em 2002, o artista cogitava transformar o então candidato em brinquedo de criança. "Lula parece o candidato das criancinhas", comentava ele à época, referindo-se ao jeito de falar e à performance do petista, que se autodesignou "Lulinha paz e amor".
Com o tempo, o projeto saiu da esfera da brincadeira e acabou entrando no circuito da arte. O "processo de bonequização" do presidente foi levado a termo e, com o produto básico realizado, Mourão passou a criar situações a partir dele. No Rio, o "Lulinhadepelúcia" (assim mesmo, grudado, como o artista batizou a coisa) transformou-se numa instalação na galeria Lurixs. Desenhos preliminares do boneco também foram enviados a artistas com o desafio de que os completassem com idéias próprias.
Em São Paulo, Mourão privilegiou peças nas quais o Lulinha aparece socado em caixas de madeira e vidro e, mais uma vez, contou com a colaboração de outros artistas. Entre os convidados para interferir em desenhos, estão Artur Lescher, José Spaniol, Leda Catunda, Renata Lucas, Rochelle Costi e Carlito Carvalhosa.
Projeto controvertido, que desperta reações variadas, de adesão e repulsa (além de considerações variadas sobre seu alcance artístico), "Lulinhadepelúcia" naturalmente encontrou eco na mídia, e o próprio presidente da República solicitou um exemplar. Na entrevista que se segue, fruto de conversas e trocas de e-mail, o artista plástico fala sobre o trabalho e suas articulações com o ambiente político e também artístico.

Folha - O projeto "Lulinhadepelúcia" nasceu antes da crise política deflagrada pelo mensalão. Qual era a idéia na época?
Raul Mourão -
"Lulinhadepelúcia" é um personagem da minha ficção a partir da banalização da imagem do presidente, um comentário debochado sobre o "Lulinha paz e amor". Naquele momento, me incomodava profundamente o adesismo da mídia e o deslumbramento da militância. Nasceu como uma ação de humor, de provocação. As anotações ficaram guardadas no ateliê até que, em dezembro de 2004, iniciei os primeiros desenhos, pesquisa com fabricantes de bonecos e o trabalho começou a ganhar corpo. No meio do processo, Roberto Jefferson jogou lama no ventilador, e o trabalho ganhou uma conotação mais política. Passei a acompanhar o noticiário alucinadamente, fiquei viciado em informação.

Folha - Você não teme que a política imediata envolva por demais o projeto e retire dele um sentido de permanência?
Mourão -
A arte hoje está se aproximando de questões políticas, apesar de os políticos se afastarem das questões da arte. Política é assunto que interessa um número cada vez maior de artistas. Lembro-me de Gil Vicente, de Recife, que fez pinturas com Bush, Lula e o papa; de Jarbas Lopes, do Rio, que mostra na semana que vem em SP uma série maravilhosa com sucata de material de campanha política; e de Vik Muniz, que fez o retrato do Lula. Fora os trabalhos de caráter social, que são o sucesso da temporada.
Sobre a permanência do trabalho, tenho ouvido algumas pessoas afirmarem que o "Lulinhadepelúcia" acabou se transformando numa espécie de suvenir da crise, quase um ícone deste momento lastimável.
Acho difícil apagar rapidamente do imaginário da nação a seqüência de imagens de péssima qualidade, como a dança da pizza, o dinheiro na cueca, a quebra do sigilo do caseiro etc. "Lulinhadepelúcia é mais uma imagem medíocre que integra essa família. A bonequização do mandatário máximo da nação. Um cartum no mundo real. Um objeto de arte que furou o circuito convencional ateliê-galeria-museu-coleção privada, chegando aos jornais populares, cadernos de política, economia, revistas de celebridades etc.

Folha - Como será a mostra que você inaugura em São Paulo? Será diferente da carioca?
Mourão -
A exposição chama-se "Lulinhadepelúcia e Outras Coisas" e é bem diferente da que apresentei no Rio. São 24 caixas onde o boneco se encontra confinado. Além disso, apresento quatro obras gráficas inéditas e convidei 20 artistas para criarem desenhos a quatro mãos. É uma espécie de jogo em que provoco o artista a sair da sua rotina, "sua palheta", para se debruçar numa pesquisa que não é a dele. É quase uma coletiva dentro de uma individual. Resulta da vontade de ouvir o outro, de dialogar com outros artistas. Acredito no encontro dos artistas como um acontecimento que deva ser cultivado.

Folha - Como você reagiria à crítica de que esse trabalho é uma intervenção política, engenhosa e divertida, mas que não pode ser considerada arte?
Mourão -
Se pensarmos bem, todo trabalho de arte hoje já traz essa pergunta. Esse trabalho também é uma pergunta, é um questionamento. "Lulinhadepelúcia" veio para confundir. As pessoas não enxergam onde está a arte do nosso tempo. O país trata mal seus criadores e sua cultura. O resultado está estampado nos jornais. Estamos bem no agrobusiness e no cacete a quatro, mas o país perde identidade, e a população vive em crise de auto-estima e parece desorientada.

Folha - Você vê semelhanças entre esse trabalho e coisas feitas por artistas pop, como Andy Warhol?
Mourão -
Vejo muitas coincidências, mas "Lulinhadepelúcia" não é pop, é popular, extremamente popular. É diferente. "Lulinhadepelúcia" é um nome fácil e curioso. Tão rápido e fácil quanto uma boa piada. Apesar de já ter desenvolvido trabalhos que partem de imagens e acontecimentos populares, como o futebol, os botequins e as grades que cercam os edifícios, nada teve tanta repercussão. Isso é positivo, levou mais gente para ver a exposição e abriu vários debates.

Folha - Pessoalmente, como artista e cidadão, como você vê o governo Lula?
Mourão -
Uma tragédia. Um desastre. Faltam quadros. O presidente, seu governo e seu partido estão envolvidos numa sucessão de escândalos inacreditáveis. Parte da população vive sem esperança de um futuro melhor, sem a possibilidade de sonhar. É hora de repensar muita coisa.

Folha - Você ainda pretende dar prosseguimento a esse trabalho ou o ciclo do "Lulinha" está esgotado?
Mourão -
Estou negociando com o centro cultural ECCO para levar a mostra para Brasília. Depois, a série se encerra. Paralelamente, já estou trabalhando numa exposição chamada "Movimento", que reúne três vídeos inéditos e outros quatro que realizei de 1994 para cá. Além disso, estou interessado em trabalhar mais com as coisas que estão ao meu redor, na minha rua, no meu bairro. Estou mergulhado 24 horas na Lapa, no Rio, onde fica meu ateliê, atrás de imagens e personagens. Os moradores e trabalhadores do dia e a população boêmia que invade as ruas à noite. Desse mergulho, já surgiu a obra "Sonoro", uma série de "Fitografias" e alguns textos.


Lulinhadepelúcia e Outras Coisas
Quando:
de ter. a sex., das 12h às 20h; sáb., das 10h às 15h; até 3/6
Onde: galeria Oeste (rua Mateus Grou, 618, tel. 0/xx/11/3815-9889)
Quanto: entrada franca


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