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CARLOS HEITOR CONY
A proverbial sabedoria humana
Sebastião de Souza
e Silva nada tinha a fazer em Roma ou em outro lugar qualquer
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QUEM TEM boca vai a Roma.
Sebastião de Souza e Silva tinha boca, enorme e desdentada boca, nem por isso fora a Roma. Diga-se, a favor dele e de seu
destino, que jamais tencionara ir a
Roma ou a qualquer outra parte,
desde que vivesse ou o deixassem
viver em paz, em qualquer canto,
até mesmo em Roma.
Sebastião de Souza e Silva também nunca madrugava, nem por isso Deus o ajudava nem fazia qualquer esforço para ajudá-lo.
Dormia até tarde nos fundos de
um restaurante, no meio de sacos
de batata, garrafas vazias e gatos,
cheios de restos de comida, dormia
ali de favor e, se nada pedia a alguém, ninguém lhe pedia nada.
Neste departamento, ele se dava
por bem pago. No jogo da vida, considerava-se empatado.
Sebastião de Souza e Silva nada
emprestava a Deus, tampouco dava
qualquer coisa aos pobres, sendo
ele mesmo tão pobre que nada lhe
davam, nem mesmo aqueles que tinham algum interesse em emprestar a Deus.
O homem feliz não tinha camisa.
Sebastião de Souza e Silva não tinha
camisa nem era feliz. Em compensação, não tinha um pássaro na mão
e pouco se incomodava com o fato
de haver dois ou mais voando. Nunca lavava a égua porque, entre outros motivos, não tinha nenhuma
égua. Nessa, como em outras questões, Sebastião de Souza e Silva adotava o sábio lema de que em boca fechada não entra mosquito. Nem
por isso se dava bem: vivia de boca
fechada, mas uma vez ou outra,
quando dormia com a enorme e
desdentada boca aberta, não só lhe
entravam mosquitos como, de certa feita, até uma barata lhe entrou.
Coisas da vida, ou como dizem os
franceses, "choses de la vie".
E como dizem os italianos, "piano, piano se và lontano", Sebastião
de Souza e Silva nunca foi longe
apesar de andar pouco a pouco, eis
que não fazia empenho em andar
depressa e, sobretudo, não pretendia ir longe. Quanto mais perto as
coisas lhe acontecessem, melhor. E
se os ingleses garantem que "time is
money", ele não tinha dinheiro
nem tempo para perceber que há
tempo para plantar e tempo para
colher.
Mas a vida -a dele em especial-
era uma luta que os fracos abate e os
fortes e os bravos só pode exaltar.
Viver não era lutar e não adiantava
lutar para viver. Quem semeia ventos colhe tempestades. Sebastião de
Souza e Silva nunca semeou ventos,
mas colheu algumas tempestades
por aí, sobretudo naquela famosa
inundação de 1986, quando as cataratas do céu se abriram e choveu
durante 20 dias e 20 noites, e um
deslocamento de terra soterrou o
restaurante onde o deixavam dormir. Como Sebastião de Souza e Silva apenas ali dormia, e morava no
resto do mundo, não sofreu muito
com a perda e até ajudou os bombeiros a resgatar os corpos de uma
casa vizinha que ficou soterrada.
Todos terão direito a 15 minutos
de glória. O fato é que Sebastião de
Souza e Silva desta vez emplacou e
teve não cinco minutos, mas 15 segundos de glória, quando a repórter
da TV perguntou-lhe como tinha sido o acidente. As câmeras focalizaram Sebastião de Souza e Silva. Sua
enorme e desdentada boca foi vista,
a cores, via satélite, em alta definição, por 120 milhões de pessoas.
Perguntaram-lhe se tinha perdido
tudo com o temporal e ele só disse
uma frase: "Foi, sim senhora", e naquele dia, ganhou um sanduíche de
um dos bombeiros.
Descobriu que, em tendo afinal
uma boca, fatalmente poderia ir a
Roma, se quisesse. Mas não quis. Sebastião de Souza e Silva nada tinha a
fazer em Roma ou em outro lugar
qualquer, nem mesmo lavar a égua
que não tinha. Dormiu aquela noite
sob uma marquise e foi obrigado a
madrugar cedo. Ficou chateado não
por causa do sono interrompido,
mas pela certeza de que, continuando a madrugar cedo todos os dias,
Deus jamais o ajudaria, nem lhe daria tempo para ter dinheiro.
Dispondo de enorme e desdentada boca, Sebastião de Souza e Silva
desconfiou que com ela poderia ganhar um sanduíche todos os dias,
desde que todos os dias houvesse
inundações e deslocamentos de terra. E todos os dias ele olhava o céu
esperando que o céu olhasse por ele.
Mas assim na terra como no céu nada queriam com ele. Com sua enorme e desdentada boca, Sebastião de
Souza e Silva nem comeu o pão que o
diabo amassou.
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