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"INTÉRPRETE DE MALES"
Jhumpa Lahiri faz sua estréia com livro de contos e maturidade
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
É admirável estrear na literatura com um conjunto de
contos como os de Jhumpa Lahiri,
e não apenas porque "Intérprete
de Males" recebeu o Prêmio Pulitzer ano passado. A potência, a
fluidez e a correção de seu texto
sugerem adjetivos como maturidade e consistência, ambos muito
pesados para a matéria fina e delicada da obra. Mais do que maturidade, a escritora maneja suas narrativas com algo que se poderia
chamar de sabedoria.
Os personagens dos nove contos de "Intérprete de Males", quase todos em situações transplantadas, estão o tempo todo de
olhos bem abertos: Lahiri lida
com a curiosidade e a observação
do outro no estado mais puro.
A agudeza dos olhares que
guiam o leitor por suas narrativas,
além de uma saudável e divertida
tolerância com as esquisitices do
comportamento humano -presente nos diálogos e descrições-,
parecem funcionar como um antídoto poderoso para que o livro
de Lahiri escape ao ramerrão da
literatura de minoria, que, via de
regra, serve mais como espelho
invertido da literatura masculina-branca-ocidental do que de fato é
capaz de criar dissonâncias.
E olha que a escritora teria motivos de sobra para praticar esse tipo de proselitismo: ela é jovem
-tem 33 anos-, mulher e de ascendência indiana.
Em vez de conversão, Lahiri
prefere praticar uma espécie de
educação sentimental contemporânea, bastante complicada pelos
trânsitos culturais da experiência
da imigração, e na qual a generosidade e todas as formas de empatia trabalham como mestras. Dos
nove contos, seis contam a história de imigrantes indianos na região de Boston e um, o que dá título ao livro, de descendentes de
indianos já americanizados em
visita à Índia.
"Intérprete de Males", o conto,
parodiaria o clássico "Passagem
para Índia" (E.M. Foster), caso a
escritora fosse um pouco mais capaz de sarcasmo, coisa que ela
certamente não é (e isso não é um
problema). Em vez disso, a atmosfera de atração sexual súbita e
confusa em um cenário "exótico"
-macacos, templos, calor- torna-se pretexto para uma eficiente
e elegante lição de amor. Há outra
dessas em "Sexy", mais difícil e
mais sutil, onde uma jovem mulher aprende a distinguir amor de
sexo, sem ter que renunciar a nenhum dos dois.
"Uma Durwan de Verdade" e
"O Tratamento de Bibi Haldar"
tratam de personagens indianas
na Índia, mas talvez por isso mesmo deslizem para uma atmosfera
mais fabular, mais estrangeira em
todos os sentidos, com resultados
bem menos interessantes.
A temática da imigração conduz os três mais bem acabados
contos do volume, "Quando o Sr.
Pirzada Vinha Jantar", "A Casa da
Sra. Sen" e "O Terceiro e Último
Continente".
Nos dois primeiros, os constrangimentos, as estranhezas, as
saudades dos imigrantes estão
nos detalhes observados por
crianças, mas justamente por isso
não traem nenhum sentimentalismo, e sim, mais uma vez, a
enorme, ilimitada e (às vezes) generosa curiosidade de que são capazes os muito jovens. No conto
que encerra o volume e relata o
percurso migratório por três continentes de um professor universitário é uma mulher centenária,
nascida no século 19, que abre ao
professor a possibilidade de refazer sua vida em mais um lugar.
A sabedoria evocada lá em cima
corre por conta da enorme sensatez com que Lahiri trata seus personagens. Isso e o fato de a escritora ser completamente avessa a
efeitos e adepta de uma economia
de adjetivos e a uma concisão descritiva, que parecem aprendidas
com Raymond Carver, fazem de
Jhumpa Lahiri uma escritora a se
prestar bastante atenção daqui
por diante.
Intérprete de Males
Interpreter of Maladies
Autora: Jhumpa Lahiri
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 25 (224 págs)
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