|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVRO/LANÇAMENTO
"THE DYING ANIMAL"
Autor norte-americano retoma herói que vaga a esmo pelo mundo, vivendo de memórias sexuais
Romance de Roth é apressado e decepcionante
MICHIKO KAKUTANI
DO "THE NEW YORK TIMES"
"Parece-me que em várias ocasiões já escrevi sobre o que Bruno
Bettelheim chama de "comportamento em situações extremas"",
observou Philip Roth certa vez,
numa entrevista sobre sua novela
de 1972, "The Breast". Ele tratara,
explicou, de "homens e mulheres
cujas amarras foram cortadas e
que são levados para longe de
suas paragens nativas, em direção
ao alto-mar, às vezes levados pela
maré de seu próprio ressentimento ou farisaísmo".
Em "The Breast", o herói, David
Kepesh, se vê transformado, ao
estilo Kafka, numa enorme glândula mamária, afastado sumariamente de suas identidades anteriores de "professor de literatura,
amante, filho, amigo, vizinho, freguês, cliente e cidadão". O ávido
caçador de sexo e sensação se viu
reduzido, por metáfora ou alucinação, a uma gigantesca zona erógena -como que aprisionado
por seus próprios desejos.
Kepesh retorna no novo e
apressado romance de Roth, "The
Dying Animal", mas, embora retorne sob forma humana -como
professor e comentarista de TV
em tempo parcial-, ele continua
tão destituído de amarras quanto
sempre. Como tantos outros heróis de Roth antes dele, Kepesh
constata que seu desafiar das convenções, sua recusa em amadurecer e sua busca irredutível pela auto-realização o deixaram boiando
sozinho, destituído de laços familiares ou outras ligações emocionais duradouras, e, talvez, teme,
secretamente ansiando "por não
ser livre", enquanto se aproxima
dos 70 anos de idade.
Este romance se propõe a tratar
dos grandes temas da mortalidade e das consequências emocionais nefastas dos anos 1960, mas,
após a grande tela social formada
pela trilogia do pós-guerra de
Roth ("Pastoral Americana",
"Casei com um Comunista" e
"The Human Stain"), passa uma
sensação frouxa e artificial.
Seus personagens são amontoados de traços genéricos, e seus
destinos são desajeitadamente
administrados pelo autor para
enfatizar lições filosóficas que ele
já transmitiu muitas vezes antes:
que o sexo (do mesmo modo que
a vida) pode ser usado como baluarte ilusório contra a morte,
que as reluzentes expectativas
que as pessoas nutrem quanto à
vida muitas vezes caem por terra
quando se chocam com a realidade dura e inflexível, que a liberação traz não apenas liberdade,
mas também perdas.
Para começar, Kepesh, o narrador, virou mera sombra do que
era. Sua história pessoal foi reduzida ao esqueleto nu e cru do desejo sexual e da insatisfação perpétua. A relação de Kepesh com
seus pais, que atuou como lastro
tão forte em "Professor", foi posta de lado. E sua vida anterior como seio é ignorada, exceto por
uma virada da trama na qual sua
ex-namorada muito mais jovem
e de seios fartos revela que sofre
de câncer de mama -o que é
sentido pelo leitor como um esforço cínico do autor de oferecer
um tipo de encerramento metafórico de "The Breast".
Em "The Dying Animal" vemos muitas alusões mecânicas a
antigas alunas que Kepesh seduziu durante sua carreira de professor e uma abundância de referências a Kenny, um filho que ele
teria tido por volta de quatro décadas antes. Em livros tão diversos quanto "O Complexo de
Portnoy", a trilogia "Zuckerman" e "Patrimony", Roth já deixou clara sua habilidade em extrair a comédia e a pungência dos
esforços feitos pelos homens jovens para fazer frente a seus pais,
mas, neste livro, suas tentativas
de retratar o distanciamento de
um pai em relação a seu filho são
desajeitadas e esquemáticas.
Kenny, que Kepesh deixou com
oito anos de idade para viver "da
maneira como queria", é percebido como uma paródia de filho
ressentido, neurótico e compulsivo. E os esforços do próprio Kepesh para explicar por que abandonou Kenny e sua mãe, citando
a agitação e o espírito libertário
dos anos 60, soam como tentativa
descarada e totalmente não convincente de Roth de atribuir à história um contexto social mais amplo, como fez tão bem em "Pastoral Americana".
O relato que Kepesh faz de seu
relacionamento obsessivo com
uma antiga aluna chamada Consuela Castillo é igualmente pouco
convincente. Diferentemente dos
personagens femininos centrais
de "The Breast" e "The Professor
of Desire", Consuela é retratada,
de modo paternalista, como uma
moça totalmente comum e um
tanto quanto estúpida, que encanta o professor pela "simplicidade do seu esplendor físico". Kepesh, já com 62 anos, fica obcecado pela aluna de 24, em parte porque a diferença de idades o leva a
temer que ela o deixe por um homem mais jovem, em parte porque ela não está inteiramente disponível para ele, já que não sonha
em casar-se com ele.
A história da vida de Kepesh é
justamente essa: ele nunca se satisfaz com mulher nenhuma. Desejaria que Helen, "a sedutora que
eu já começara a procurar quando estava na faculdade", fosse "só
um pouco mais assim e um pouco
menos assado", e que Claire, que
lhe dava "uma nova vida doce e
estável", se mostrasse mais disposta a realizar acrobacias na cama. Como "o mais infeliz dos homens" de Kierkegaard, Kepesh
repisa constantemente as memórias passadas ou esperanças futuras. Só quer o que não pode ter.
Consuela reaparece na vida de
Kepesh anos após o fim do caso
entre eles para lhe dizer que está
com câncer e que tem apenas
60% de chances de sobreviver.
Observando friamente que "o
poder erótico" do corpo dela deixou de existir para ele, Kepesh teme que ela lhe peça que durma
com ela e que ele acabe forçado,
de alguma maneira, a cuidar dela.
Em "The Breast", Kepesh era
sentido como um personagem
kafkaesco, aprisionado numa situação que desafiava sua capacidade de raciocínio. Em "The Professor of Desire", era sentido como um personagem chekhoviano, isolado em razão de seus próprios impulsos egoístas, mas
também aliado a outros em sua
compreensão dos anseios e das
perdas que constituem a condição humana.
Neste romance pequeno e decepcionante, ele é reduzido a um
narcisista superficial e obcecado
por sexo que atacou frontalmente não apenas as convenções burguesas, mas também sua própria
vida e as vidas daqueles que o cercam. Por isso mesmo o leitor tem
dificuldade em solidarizar-se
com seu repentino receio da
mortalidade, muito menos com
seu isolamento e solidão.
Tradução Clara Allain
THE DYING ANIMAL - Autor: Philip
Roth. Primeira edição. 156 págs. US$
18,40 (R$ 43, em média). Onde
encomendar: www.amazon.com.
Texto Anterior: Resenha da semana: O desejo do autor Próximo Texto: Panorâmica - Memórias: Nava tem "Chão de Ferro" reeditado Índice
|