São Paulo, sábado, 02 de junho de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

"THE DYING ANIMAL"

Autor norte-americano retoma herói que vaga a esmo pelo mundo, vivendo de memórias sexuais

Romance de Roth é apressado e decepcionante

MICHIKO KAKUTANI
DO "THE NEW YORK TIMES"

"Parece-me que em várias ocasiões já escrevi sobre o que Bruno Bettelheim chama de "comportamento em situações extremas"", observou Philip Roth certa vez, numa entrevista sobre sua novela de 1972, "The Breast". Ele tratara, explicou, de "homens e mulheres cujas amarras foram cortadas e que são levados para longe de suas paragens nativas, em direção ao alto-mar, às vezes levados pela maré de seu próprio ressentimento ou farisaísmo".
Em "The Breast", o herói, David Kepesh, se vê transformado, ao estilo Kafka, numa enorme glândula mamária, afastado sumariamente de suas identidades anteriores de "professor de literatura, amante, filho, amigo, vizinho, freguês, cliente e cidadão". O ávido caçador de sexo e sensação se viu reduzido, por metáfora ou alucinação, a uma gigantesca zona erógena -como que aprisionado por seus próprios desejos.
Kepesh retorna no novo e apressado romance de Roth, "The Dying Animal", mas, embora retorne sob forma humana -como professor e comentarista de TV em tempo parcial-, ele continua tão destituído de amarras quanto sempre. Como tantos outros heróis de Roth antes dele, Kepesh constata que seu desafiar das convenções, sua recusa em amadurecer e sua busca irredutível pela auto-realização o deixaram boiando sozinho, destituído de laços familiares ou outras ligações emocionais duradouras, e, talvez, teme, secretamente ansiando "por não ser livre", enquanto se aproxima dos 70 anos de idade.
Este romance se propõe a tratar dos grandes temas da mortalidade e das consequências emocionais nefastas dos anos 1960, mas, após a grande tela social formada pela trilogia do pós-guerra de Roth ("Pastoral Americana", "Casei com um Comunista" e "The Human Stain"), passa uma sensação frouxa e artificial.
Seus personagens são amontoados de traços genéricos, e seus destinos são desajeitadamente administrados pelo autor para enfatizar lições filosóficas que ele já transmitiu muitas vezes antes: que o sexo (do mesmo modo que a vida) pode ser usado como baluarte ilusório contra a morte, que as reluzentes expectativas que as pessoas nutrem quanto à vida muitas vezes caem por terra quando se chocam com a realidade dura e inflexível, que a liberação traz não apenas liberdade, mas também perdas.
Para começar, Kepesh, o narrador, virou mera sombra do que era. Sua história pessoal foi reduzida ao esqueleto nu e cru do desejo sexual e da insatisfação perpétua. A relação de Kepesh com seus pais, que atuou como lastro tão forte em "Professor", foi posta de lado. E sua vida anterior como seio é ignorada, exceto por uma virada da trama na qual sua ex-namorada muito mais jovem e de seios fartos revela que sofre de câncer de mama -o que é sentido pelo leitor como um esforço cínico do autor de oferecer um tipo de encerramento metafórico de "The Breast".
Em "The Dying Animal" vemos muitas alusões mecânicas a antigas alunas que Kepesh seduziu durante sua carreira de professor e uma abundância de referências a Kenny, um filho que ele teria tido por volta de quatro décadas antes. Em livros tão diversos quanto "O Complexo de Portnoy", a trilogia "Zuckerman" e "Patrimony", Roth já deixou clara sua habilidade em extrair a comédia e a pungência dos esforços feitos pelos homens jovens para fazer frente a seus pais, mas, neste livro, suas tentativas de retratar o distanciamento de um pai em relação a seu filho são desajeitadas e esquemáticas.
Kenny, que Kepesh deixou com oito anos de idade para viver "da maneira como queria", é percebido como uma paródia de filho ressentido, neurótico e compulsivo. E os esforços do próprio Kepesh para explicar por que abandonou Kenny e sua mãe, citando a agitação e o espírito libertário dos anos 60, soam como tentativa descarada e totalmente não convincente de Roth de atribuir à história um contexto social mais amplo, como fez tão bem em "Pastoral Americana".
O relato que Kepesh faz de seu relacionamento obsessivo com uma antiga aluna chamada Consuela Castillo é igualmente pouco convincente. Diferentemente dos personagens femininos centrais de "The Breast" e "The Professor of Desire", Consuela é retratada, de modo paternalista, como uma moça totalmente comum e um tanto quanto estúpida, que encanta o professor pela "simplicidade do seu esplendor físico". Kepesh, já com 62 anos, fica obcecado pela aluna de 24, em parte porque a diferença de idades o leva a temer que ela o deixe por um homem mais jovem, em parte porque ela não está inteiramente disponível para ele, já que não sonha em casar-se com ele.
A história da vida de Kepesh é justamente essa: ele nunca se satisfaz com mulher nenhuma. Desejaria que Helen, "a sedutora que eu já começara a procurar quando estava na faculdade", fosse "só um pouco mais assim e um pouco menos assado", e que Claire, que lhe dava "uma nova vida doce e estável", se mostrasse mais disposta a realizar acrobacias na cama. Como "o mais infeliz dos homens" de Kierkegaard, Kepesh repisa constantemente as memórias passadas ou esperanças futuras. Só quer o que não pode ter.
Consuela reaparece na vida de Kepesh anos após o fim do caso entre eles para lhe dizer que está com câncer e que tem apenas 60% de chances de sobreviver. Observando friamente que "o poder erótico" do corpo dela deixou de existir para ele, Kepesh teme que ela lhe peça que durma com ela e que ele acabe forçado, de alguma maneira, a cuidar dela.
Em "The Breast", Kepesh era sentido como um personagem kafkaesco, aprisionado numa situação que desafiava sua capacidade de raciocínio. Em "The Professor of Desire", era sentido como um personagem chekhoviano, isolado em razão de seus próprios impulsos egoístas, mas também aliado a outros em sua compreensão dos anseios e das perdas que constituem a condição humana.
Neste romance pequeno e decepcionante, ele é reduzido a um narcisista superficial e obcecado por sexo que atacou frontalmente não apenas as convenções burguesas, mas também sua própria vida e as vidas daqueles que o cercam. Por isso mesmo o leitor tem dificuldade em solidarizar-se com seu repentino receio da mortalidade, muito menos com seu isolamento e solidão.


Tradução Clara Allain

THE DYING ANIMAL - Autor: Philip Roth. Primeira edição. 156 págs. US$ 18,40 (R$ 43, em média). Onde encomendar: www.amazon.com.



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