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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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DANÇA/FILO

Alegria belga renova imaginação

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

O barroco não será mais o mesmo depois de Les Ballets C. de la B. Nem o barroco, nem "Insensatez", nem o drum'n'bass, nem uma dezena de outras referências musicais que compõem "Just Another Landscape for Some Jukebox Money", apresentado na última terça-feira no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.
Inspirado livremente na novela "O Pássaro Pintado", de Jerzy Kosinsky, o espetáculo soma cenas como uma juke-box: "paisagens" coreográficas vão levando a dança do íntimo ao coletivo, do sofisticado ao trivial, do grotesco ao sublime, num horizonte afetivo tão sedutor e estranho como são hoje as paisagens da juke-box da vida.
A C. de la B. (Contemporâneo da Bélgica) foi fundada em 1984 por Alain Platel -um dos nomes que levariam a dança belga ao reconhecimento internacional. Volta ao Brasil integrando a série Sesc/Filo, que trouxe outros três grupos de fora. Dois deles -Jane Comfort and Company (dos Estados Unidos) e Cia. Nomades Serge Campardon (da Suíça)- ficaram bem abaixo da expectativa. Já a instalação coreográfica "Retratos Dançados - A Volta ao Mundo", de Philippe Jamet (da França) foi no mínimo instigante.
Jamet contrapõe 96 depoimentos falados e dançados de pessoas em diferentes lugares do mundo. Paralelamente três bailarinos interpretam solos focados em cinco emoções: felicidade, infelicidade, amor, medo, esperança. Cada entrevistado fala de sua casa, seus medos e alegrias; de seu corpo e de suas emoções. Intimidades reveladas que espelham nossa própria, frágil, ordinária, mas, afinal, salvadora singularidade.
Estamos diante da vida, como em "Just Another...", da C. de la B. Dirigida por Koen Augustijnen, a companhia belga dança diante de duas paredes metálicas. Numa, a janela deixa ver uma cena caribenha, com direito a juke-box, palmeiras, sol poente. Parte do mistério da dança, aqui, será encher de sentido um espaço tão gasto e vazio. (Não é assim o tempo todo, fora do palco?)
Os bailarinos tanto dançam como compõem o cenário, transformados em pontos fixos ou móveis que dão novo aspecto à cena. Aliando diversos estilos de movimento, desenvolvem uma gestualidade que vai do mais simples ao mais exagerado, passando pelo hipersexy. Equilíbrio e ruptura nascem das relações entre os seis, nas mais variadas combinações e cada um com direito a solo. O fluxo é a alma da dança, para Augustijnen, e seus bailarinos têm a energia de mil aspirinas fervendo em mil copos d'água.
Quando essa energia engata no grupo todo, em três cenas ao som de música barroca, a alegria da C. de la B. é suficiente para renovar a imaginação por dias. Noutro extremo, ficam os solos de "tentativa": bailarinos encenando incrivelmente o esforço para criar a dança. Uma cena dessas se dá ao som dos primeiros compassos de uma "Missa" de Mozart; repetem-se sempre até o ponto em que a voz entraria, substituída aqui por um gesto explosivo e mudo da bailarina.
Em contraponto com os outros cinco, um bailarino encarna o "pássaro pintado", o diferente, o alheio. No final, resiste sozinho, piando para si mesmo. Dito em palavras, parece óbvio. Mas palavras não dançam. A C. de la B. dança como ninguém e faz de quem vê, por alguns minutos, ou depois na lembrança, alguém.


Just Another...     


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