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DANÇA/FILO
Alegria belga renova imaginação
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
O barroco não será mais o
mesmo depois de Les Ballets
C. de la B. Nem o barroco, nem
"Insensatez", nem o drum'n'bass,
nem uma dezena de outras referências musicais que compõem
"Just Another Landscape for Some Jukebox Money", apresentado na última terça-feira no Sesc
Vila Mariana, em São Paulo.
Inspirado livremente na novela
"O Pássaro Pintado", de Jerzy Kosinsky, o espetáculo soma cenas
como uma juke-box: "paisagens"
coreográficas vão levando a dança
do íntimo ao coletivo, do sofisticado ao trivial, do grotesco ao sublime, num horizonte afetivo tão
sedutor e estranho como são hoje
as paisagens da juke-box da vida.
A C. de la B. (Contemporâneo
da Bélgica) foi fundada em 1984
por Alain Platel -um dos nomes
que levariam a dança belga ao reconhecimento internacional. Volta ao Brasil integrando a série
Sesc/Filo, que trouxe outros três
grupos de fora. Dois deles -Jane
Comfort and Company (dos Estados Unidos) e Cia. Nomades Serge Campardon (da Suíça)- ficaram bem abaixo da expectativa. Já
a instalação coreográfica "Retratos Dançados - A Volta ao Mundo", de Philippe Jamet (da França) foi no mínimo instigante.
Jamet contrapõe 96 depoimentos falados e dançados de pessoas
em diferentes lugares do mundo.
Paralelamente três bailarinos interpretam solos focados em cinco
emoções: felicidade, infelicidade,
amor, medo, esperança. Cada entrevistado fala de sua casa, seus
medos e alegrias; de seu corpo e
de suas emoções. Intimidades reveladas que espelham nossa própria, frágil, ordinária, mas, afinal,
salvadora singularidade.
Estamos diante da vida, como
em "Just Another...", da C. de la B.
Dirigida por Koen Augustijnen, a
companhia belga dança diante de
duas paredes metálicas. Numa, a
janela deixa ver uma cena caribenha, com direito a juke-box, palmeiras, sol poente. Parte do mistério da dança, aqui, será encher
de sentido um espaço tão gasto e
vazio. (Não é assim o tempo todo,
fora do palco?)
Os bailarinos tanto dançam como compõem o cenário, transformados em pontos fixos ou móveis
que dão novo aspecto à cena.
Aliando diversos estilos de movimento, desenvolvem uma gestualidade que vai do mais simples ao
mais exagerado, passando pelo
hipersexy. Equilíbrio e ruptura
nascem das relações entre os seis,
nas mais variadas combinações e
cada um com direito a solo. O fluxo é a alma da dança, para Augustijnen, e seus bailarinos têm a
energia de mil aspirinas fervendo
em mil copos d'água.
Quando essa energia engata no
grupo todo, em três cenas ao som
de música barroca, a alegria da C.
de la B. é suficiente para renovar a
imaginação por dias. Noutro extremo, ficam os solos de "tentativa": bailarinos encenando incrivelmente o esforço para criar a
dança. Uma cena dessas se dá ao
som dos primeiros compassos de
uma "Missa" de Mozart; repetem-se sempre até o ponto em que a
voz entraria, substituída aqui por
um gesto explosivo e mudo da
bailarina.
Em contraponto com os outros
cinco, um bailarino encarna o
"pássaro pintado", o diferente, o
alheio. No final, resiste sozinho,
piando para si mesmo. Dito em
palavras, parece óbvio. Mas palavras não dançam. A C. de la B.
dança como ninguém e faz de
quem vê, por alguns minutos, ou
depois na lembrança, alguém.
Just Another... ![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
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