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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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LANÇAMENTO

Guitarrista norte-americano volta às raízes com o abandono da guitarra pelo violão e canta em todas as faixas

Buddy Guy acústico mergulha no pântano do blues

EDSON FRANCO
EDITOR DE VEÍCULOS E CONSTRUÇÃO

A saída fácil seria repetir a receita do aclamado "Sweet Tea", CD de 2001. Mas isso é pouco para o guitarrista norte-americano Buddy Guy, que, aos 66 anos, mais uma vez leva seu blues para passear pelos caminhos da incerteza e lança mundialmente amanhã o álbum "Blues Singer".
No trabalho anterior, Guy resgatava de maneira elétrica o som cru, sujo e rústico que se ouve até hoje nos cafundós do Mississippi. Agora, acústico, ele mergulha ainda mais fundo no pântano blueseiro, a ponto de ver e trazer à tona as raízes do estilo.
De sua casa em Chicago, o guitarrista disse por telefone à Folha que, em nenhum momento, teve receio da mudança brusca. "Quando estive no Brasil pela primeira vez, em 85, estava sem contrato, sem dinheiro, passando dificuldades. Depois de ter enfrentado aquilo, eu não tenho medo de mais nada."
Não é a primeira vez que Guy deixa ociosas as tomadas do estúdio. Em álbuns como "Buddy and the Juniors" (70) e "Alone and Acoustic" (91), ele só usou violões. E ele diz não sentir falta da eletricidade que o levou a influenciar Eric Clapton e Jimi Hendrix.
"Aprendi a tocar no violão. Na minha infância, só tínhamos luz de vela. Se eu possuísse uma guitarra, não teria onde plugar."
Segundo o guitarrista, a grande fonte de inspiração do novo trabalho é o disco "Folk Singer", lançado em 64 por Muddy Waters (1915-83) e no qual um jovem Guy foi convidado para tocar as bases.
Houve resistência dos executivos da gravadora Chess, que exigiam que Waters fosse até o sul dos EUA procurar velhos blueseiros. "Vi o pessoal da gravadora discutindo com Muddy. Só pararam depois de me ouvir tocar."
Esse é um problema que James "Jimbo" Mathus, guitarrista da banda de rock Squirrel Nut Zippers, não teve de enfrentar. "Apesar de ele ser jovem, eu o convidei pois sabia que ele traria a substância de que eu precisava em "Blues Singer". Acho que ele está mais bem preparado do que eu quando participei do disco de Muddy."

Fora do rádio
Para Guy, seu novo trabalho não tem nada a ver com a febre dos CDs acústicos e não conseguirá atrair muito mais ouvintes para o blues. Ele culpa as emissoras de rádio por isso.
"Tenho um filho de 21 anos que ouviu a música de Buddy Guy no rádio só agora. E nem era uma gravação minha, mas sim um trecho sampleado por um rapper."
Aparentemente, a constatação não dá margem a desânimo: "Um dia, a garotada vai ouvir o que é bom. E aí não voltarão mais atrás. É como quando você experimenta feijoada e percebe que fast food não tem a menor graça", diz o blueseiro, que desperdiçou poucas chances de fazer menções ao Brasil durante a entrevista.
Além de mostrar o guitarrista fora de seu habitat natural, "Blues Singer" traz dois convidados também mais habituados com a eletricidade: Eric Clapton (em duas faixas) e B.B. King (em uma).
Guy afirma que passou longe de sua cabeça a idéia de gravar um CD com uma coleção de duetos, praga que andou rondando trabalhos do próprio King e de John Lee Hooker, só para ficar em dois exemplos vindos do blues.
"No ano passado, falei com [Carlos] Santana, que vem fazendo sucesso com essa coisa de duetos. Ele disse ter tentado chamar Tina Turner para participar do seu último CD ['Shaman']. Mas ela se mostrou grande demais, velha demais. Não quero passar pelo mesmo tipo de desilusão."

Violões e carros
"Blues Singer" é produzido por Dennis Herring, que também assina trabalhos de bandas roqueiras como Counting Crows, Cracker e Jars of Clay. Segundo Guy, o grande mérito do produtor foi criar o ambiente perfeito para que chegasse ao CD o mesmo som que foi produzido no estúdio.
Essa é primeira vez que o guitarrista passeia seu vozeirão pelas 12 músicas do disco. E ele participou pouco do processo de seleção do repertório. "Os produtores e empresários chegavam para mim e perguntavam: "O que você acha de gravar isso?"."
Guy afirma que pretende deixar a sua Fender Stratocaster em casa por um tempo e partir para a estrada fazendo shows acústicos. E a guitarra não vai deixar saudade? "Não vejo muita diferença entre guitarra e violão. É como o carro. Hoje você tem ar-condicionado e ABS, mas ele continua executando do mesmo jeito a tarefa de levar você para lá e para cá."


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