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ARTES CÊNICAS/CIRCO
Zanni concilia vanguarda e tradição
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Quem vê a modesta lona do
Circo Zanni não imagina a
longa trajetória para chegar até lá.
Domingos Montagner, o mestre-de-cerimônias, veio do Pia Fraus e
fundou o Circo Mínimo com Fernando Sampaio, que havia conhecido na Nau de Ícaros. Na Nau
também navegava Erica Stoppel,
mulher de Sampaio, que fundou
por sua vez o Linhas Aéreas. Sendo argentina, convidou seus conterrâneos do Circo Amarillo para
dividir a lona do Zanni.
Quase 20 anos, portanto, de experiências com o "novo circo",
com requintes de teatro e artes
plásticas, estão abrigados no caleidoscópio deste espetáculo. Seria de imaginar que transparecesse uma arrogância conceitual.
Que nada. O Circo Zanni é circo
mesmo, com trapezista e moça
que anda de guarda-chuva no
arame, com intervalo para pipoca
e uma platéia autêntica que quer
rir dos palhaços e aplaudir malabaristas. O requinte se nota nos
detalhes: sem a necessidade de
"contar uma história" através dos
números tradicionais, tentativa
pretensiosa de anos atrás, o diferencial é que nada é por acaso. Cada necessidade técnica de amarração de cordas, cada limpeza de
pista ou espera para que o público
volte do intervalo é coreografada.
Assim, o pessoal do Amarillo
assume a função de moços de pista meio bêbados, quase clandestinos, que roubam o palco sempre
que possível. Referências ao universo trash do circo tradicional,
como a dança dos acrobatas ou a
grandiloqüência do mestre-de-cerimônias são feitos com certa
ironia, mas com enorme respeito,
como crianças brincando.
Há momentos impagáveis, como a imortal Monga, a mulher-macaco, de Sampaio, ou um sensual tango acrobático do Amarillo. Um pouco de cabaré, um pouco de deboche, um conceitualismo para os intelectuais avisados,
uma técnica apurada de um universo no qual não pode haver blefes, e a receita está montada.
Na Semana de Arte Moderna de
1922, quando os artistas de vanguarda se reuniram no Municipal
para criar uma arte brasileira, havia a poesia de Mário de Andrade,
a música de Villa-Lobos e toda
uma revolução nas artes plásticas,
mas ninguém de teatro. Foram
chamar o Piolim, como representante das artes cênicas brasileiras,
um pouco a exemplo do que faziam os revolucionários do teatro
na Rússia, como Meierhold.
Vendo as moças do Linhas Aéreas rodarem no ar com a técnica
do Cirque du Soleil, mas um brejeirice brasileira de Tarsila do
Amaral, vendo cada participante
do Zanni se revezar na orquestra,
na pista e no trapézio, orgulhosos
do espaço, "o maior circo que a
gente conseguiu comprar", é irresistível a sensação de que o Zanni
realiza o sonho dos modernistas,
conciliando vanguarda e tradição.
Circo Zanni
Quando: de qua. a sáb., às 20h30, dom.,
às 19h30; até 31/7
Onde: r. Augusta, 344, Consolação, SP,
tel. 0/xx/11/4612-1433
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
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