São Paulo, sábado, 02 de julho de 2005

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ARTES CÊNICAS/CIRCO

Zanni concilia vanguarda e tradição

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quem vê a modesta lona do Circo Zanni não imagina a longa trajetória para chegar até lá. Domingos Montagner, o mestre-de-cerimônias, veio do Pia Fraus e fundou o Circo Mínimo com Fernando Sampaio, que havia conhecido na Nau de Ícaros. Na Nau também navegava Erica Stoppel, mulher de Sampaio, que fundou por sua vez o Linhas Aéreas. Sendo argentina, convidou seus conterrâneos do Circo Amarillo para dividir a lona do Zanni.
Quase 20 anos, portanto, de experiências com o "novo circo", com requintes de teatro e artes plásticas, estão abrigados no caleidoscópio deste espetáculo. Seria de imaginar que transparecesse uma arrogância conceitual.
Que nada. O Circo Zanni é circo mesmo, com trapezista e moça que anda de guarda-chuva no arame, com intervalo para pipoca e uma platéia autêntica que quer rir dos palhaços e aplaudir malabaristas. O requinte se nota nos detalhes: sem a necessidade de "contar uma história" através dos números tradicionais, tentativa pretensiosa de anos atrás, o diferencial é que nada é por acaso. Cada necessidade técnica de amarração de cordas, cada limpeza de pista ou espera para que o público volte do intervalo é coreografada.
Assim, o pessoal do Amarillo assume a função de moços de pista meio bêbados, quase clandestinos, que roubam o palco sempre que possível. Referências ao universo trash do circo tradicional, como a dança dos acrobatas ou a grandiloqüência do mestre-de-cerimônias são feitos com certa ironia, mas com enorme respeito, como crianças brincando.
Há momentos impagáveis, como a imortal Monga, a mulher-macaco, de Sampaio, ou um sensual tango acrobático do Amarillo. Um pouco de cabaré, um pouco de deboche, um conceitualismo para os intelectuais avisados, uma técnica apurada de um universo no qual não pode haver blefes, e a receita está montada.
Na Semana de Arte Moderna de 1922, quando os artistas de vanguarda se reuniram no Municipal para criar uma arte brasileira, havia a poesia de Mário de Andrade, a música de Villa-Lobos e toda uma revolução nas artes plásticas, mas ninguém de teatro. Foram chamar o Piolim, como representante das artes cênicas brasileiras, um pouco a exemplo do que faziam os revolucionários do teatro na Rússia, como Meierhold.
Vendo as moças do Linhas Aéreas rodarem no ar com a técnica do Cirque du Soleil, mas um brejeirice brasileira de Tarsila do Amaral, vendo cada participante do Zanni se revezar na orquestra, na pista e no trapézio, orgulhosos do espaço, "o maior circo que a gente conseguiu comprar", é irresistível a sensação de que o Zanni realiza o sonho dos modernistas, conciliando vanguarda e tradição.


Circo Zanni
    
Quando: de qua. a sáb., às 20h30, dom., às 19h30; até 31/7
Onde: r. Augusta, 344, Consolação, SP, tel. 0/xx/11/4612-1433
Quanto: de R$ 10 a R$ 20


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