Artista leva outra vez ao museu série clássica de gravuras dos anos 1970

Obra que retrata curso do rio Pinheiros foi para a Bienal de Veneza de 1976 e esteve no museu nessa mesma década

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

De Santo Amaro ao pico do Jaraguá, o estirão do rio Pinheiros, em São Paulo, serve de fio condutor para uma fábula abstrata na cidade.
Evandro Carlos Jardim explora esse percurso numa série de gravuras dos anos 70 que justapõe cenas da metrópole, objetos e figuras humanas encontradas à beira do rio e tudo que as imagens evocam para lá do quadro.
"Foi uma tentativa de configurar um lugar com seus acontecimentos, uma representação", conta Jardim. "Não tem compromisso com a verossimilhança, tem só um fundo de realidade."
Jardim mostrou esse fundo pela primeira vez no Masp, em 1973, e volta a exibir a série, que esteve na Bienal de Veneza em 1976, agora no subsolo do mesmo museu.
Refaz, na história do trabalho, percurso parecido ao que está dentro da obra. Não é um tempo linear que rege sua fábula, mas um intervalo fragmentário de momentos sobrepostos, uma interpretação do passar das horas mais geográfico do que temporal.
Na série de gravuras, os mesmos contornos aparecem vazios, em fase embrionária, para depois surgirem plenos, com o vigor da forma que se desdobra no que parece ser o espaço fora do plano, num elo potente e elástico entre quadro e extraquadro.

TEMPO E LUGAR
"Estou tomando o tempo aqui como duração, passado e presente se encontram", resume Jardim. "É a tentativa de apreender algum lugar por meio de seus acontecimentos, uma plástica que pudesse explicar essa ideia." Esse tempo dilatado ressurge depois nas pinturas de Jardim, relógios marcando horas vazias e postes ao relento, molhados de chuva. Parece testemunhar, com uma placidez enganosa, o nascimento da metrópole.
Mas faz isso com certa relutância. Jardim resiste às máquinas e parafernália elétrica. Mostra um gato a olhar pela janela, um lampião de gás e cavalos a galope num pasto que virou asfalto.