São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Adaptação de Dostoiévski vira exercício de oratória

Dramaturgia derrapa na complexidade do texto e não favorece sua compreensão

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Literatura ou retórica? "O Grande Inquisidor" transpõe para a cena trecho do romance "Os Irmãos Karamázov"", de Fiódor Dostoiévski.
A verve filosófica do escritor ilumina, mas não forja um espetáculo que brilhe por suas próprias luzes.
O encenador e adaptador, Rubens Rushe, criador de antológicas montagens de Beckett, volta-se agora para Dostoiévski, recortando de seu livro mais famoso a fábula narrada por Ivan Karamázov ao irmão Aliócha.
A ação se passa em Sevilha, no século 16. O protagonista é um cardeal que vem acendendo fogueiras diárias para queimar os hereges.
Até que aparece um estrangeiro visto pela população como o Cristo retornado, pois realiza milagres.
O inquisidor manda prendê-lo, visita-o em sua cela e lhe faz uma longa preleção, rejeitando sua presença e tentando provar-lhe como a Igreja Católica não precisa mais de ideias libertárias.

MONOTONIA
Na adaptação de Rushe, que assume a lenda como um fato histórico, um letreiro contextualiza a trama antes do início do discurso.
Como não há diálogo possível, pois o personagem do Messias permanece mudo, ainda há sinais de uma teatralidade à Beckett.
A diferença é que, aqui, a fala proferida fecha um sentido ou tenta construir uma tese. A caudalosa e inflamada peroração sustenta-se unicamente no desempenho de Celso Frateschi.
Ator experiente e maduro, Frateschi encarna com paixão esse homem de noventa anos que, diante do suposto filho de Deus, revela os aspectos demoníacos da instituição religiosa.
Porém, por mais enfática e modulada que seja sua elocução, ela não dá conta da complexidade das ideias que estão em jogo.
O raciocínio proferido, que se combina no romance a comentários intercalados à narrativa pelos dois irmãos, é tortuoso e, mesmo numa leitura, é difícil acompanhá-lo.
Apreender seu conteúdo na encenação dependeria do milagre da alquimia teatral, mas a dramaturgia proposta não favorece que ele ocorra.
Nem a precisão corporal dos atores, nem a meticulosa iluminação alcançam superar esse impedimento.
O espetáculo se acomoda como um exercício de oratória, em que mesmo o pretendido embate ideológico sucumbe à monotonia.


O GRANDE INQUISIDOR

QUANDO sex. e sáb., às 21h30, e dom., às 20h; até 12/9
ONDE teatro Ágora, r. Rui Barbosa, 672, Bela Vista, tel. 0/xx/11/3284-0290
QUANTO R$ 30
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO regular



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