São Paulo, sábado, 02 de julho de 2011

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As viagens de Joe Sacco

Autor que uniu jornalismo e quadrinhos vem à Flip e diz que desenhar conflitos é perturbador

FERNANDA MENA
EDITORA DA ILUSTRADA

No início dos anos 90, Joe Sacco, 50, era um jornalista frustrado e amante de histórias em quadrinhos que levava a vida em Berlim desenhando pôsteres de shows de bandas de rock como Yo La Tengo e Mudhoney.
O perfil parece não combinar com o do autor popstar que fala na Flip, em Paraty (RJ), na próxima semana, sobre história em HQ.
Apontado como o criador de um novo gênero, a reportagem em quadrinhos, tratou do conflito Israel-Palestina em livros como "Notas sobre Gaza" (Companhia das Letras) e "Palestina" (Conrad; R$ 69,90; 328 págs.), recém-lançado em edição de luxo.
Sua obra sobre o drama do povo palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, baseada em longas temporadas no Oriente Médio, recebeu os principais prêmios de HQs do mundo e elogios do crítico literário Edward Said (1935-2003), autor de "Orientalismo" (Companhia das Letras), importante estudo sobre a representação do Oriente pelo olhar ocidental.

AULAS DE HISTÓRIA
O autor compreendeu a problemática do clássico de Said por experiência própria. Até 1982, as aulas de história e o noticiário norte-americano deram ao jovem Sacco uma certeza sobre o Oriente Médio: a de que todo palestino era um terrorista.
Foi a invasão do Líbano, naquele ano, que balançou essa crença. "Fiquei me perguntando: Por que os palestinos estavam sendo assassinados? Achava que eles eram os assassinos!", lembra ele, em entrevista à Folha.
Dez anos depois, ele embarcava para a região com a ideia de criar uma inocente HQ sobre a viagem.
Ao pisar em Israel, no entanto, seu instinto jornalístico falou mais alto. "Foi algo orgânico e impulsivo: criei rotinas metódicas de entrevistas e anotações. Afinal, eu havia sido treinado na univesidade para aquilo", diz. "Reuni duas paixões: gibis e jornalismo."
A extensa pesquisa embasou uma HQ sensível, sempre em preto e branco, sobre a vida dos refugiados, os bloqueios e as desapropriações na série "Palestina".
Foi a primeira HQ de não ficção a suscitar comparações com "Maus", obra de Art Spigelman sobre a Segunda Guerra e os campos de concentração nazistas, vencedora do Pulitzer de 1992.
"Os quadrinhos são uma nova literatura. E são como um vasto território inexplorado. Há possibilidades em todas as direções."

HORROR DE AUTOR
Sacco, no entanto, parece fadado a seguir os rastros de guerras e questões humanitárias. "Duas semanas após concluir "Palestina", eu já estava na Bósnia para registrar a guerra que ocorria ali."
A investigação da limpeza étnica sérvia deu origem ao impressionante "Área de Segurança: Gorazde" (Conrad).
Mas os anos de desenhos sobre conflitos e atrocidades deixaram marcas no autor.
"Estou cansado de lidar e descrever incidentes horríveis", desabafa. "Quando você entrevista alguém, não importa quão trágica seja sua história, é preciso ir além das lágrimas e da histeria para chegar aos fatos que interessam", diz.
"Mas, para desenhar propriamente um soldado armado, um tiroteio ou um corpo no chão é preciso coabitar aquela cena. Fazer isso dia após dia, ao longo de anos... Todos aqueles cadáveres... É muito duro. Afeta você."
Fugir do tema parece impossível para Sacco, que, após "Notas sobre Gaza", fez gibis sobre africanos que tentam imigrar para a Europa, a pobreza na zona rural da Índia e a indústria de carvão nos EUA, inéditos aqui.
"Preciso ir para outra direção. Mas, mesmo quando escrevo prosa, a história parece se voltar sozinha para questões de violência."

FOLHA.com

Leia a íntegra da entrevista
folha.com.br/il937534


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