São Paulo, sábado, 02 de julho de 2011

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Caçada a Hemingway

Nos 50 anos da morte do escritor, que se completam hoje, projeto que garimpa há nove anos sua correspondência em todo o mundo lança primeiro volume de cartas, de onde emerge uma figura afetuosa

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Em 15 de junho de 1961, Ernest Hemingway escreveu uma carta para o filho do seu médico, um garoto de nove anos que estava internado no mesmo hospital que ele, em Rochester, Minnesota (EUA).
Diz sentir muito por saber que o menino estava ali e deseja melhoras. Descreve a bela paisagem do lugar, com peixes saltando dos rios -mas ressalta que não havia tantos quanto em sua Idaho natal. Comenta que em breve os dois estarão juntos em Idaho fazendo piadas sobre sua experiência hospitalar.
Duas semanas depois, Hemingway se suicidou, com um tiro de espingarda na boca, aos 61 anos.
Última de que se tem notícia antes da morte, a carta ao garoto é uma das 6.000 reunidas pelo projeto "Hemingway Letters".
Iniciada há quase nove anos, envolvendo acadêmicos de diversos países, coordenados pela professora Sandra Spanier, da Universidade do Estado da Pensilvânia (EUA), a empreitada enfim dará fruto.
A publicação, em outubro, pela Cambridge University Press, do primeiro de pelo menos 16 volumes com a correspondência de Hemingway, é talvez o maior acontecimento dos 50 anos de sua morte, completados hoje.
Segundo Spanier, 85% do material é inédito. O livro de cartas mais conhecido até aqui, publicado pelo biógrafo Carlos Baker em 1981, traz 581 cartas, nem 10% do total reunido pelo projeto.
Achar e compilar tamanho acervo foi uma caçada. A professora diz ter obtido cartas de 250 fontes: 70 bibliotecas, museus e arquivos públicos (entre mais de 500 contatados) e 175 negociantes e colecionadores, além de amigos e parentes de Hemingway.
O livro inicial cobre de 1907 (quando ele tinha oito anos) a 1922 (23 anos).
A Folha obteve da Cambridge University Press duas cartas inéditas, e foi autorizada a publicar uma delas (leia ao lado). Aos 11 anos, Hemingway escreve ao pai, que anos mais tarde se suicidaria.
A pescaria já era uma obsessão, como seriam as caçadas, as guerras, o álcool, ingredientes que convergiram para imortalizar o mito do macho até hoje perpetuado -como mostrou com graça o último filme de Woody Allen, "Meia-Noite em Paris".
Mas a figura que emerge do pó postal, segundo Spanier, está bem além disso.
"Suas cartas de amor são ternas e comoventes. Com as irmãs, ele era brincalhão e afetuoso. Tinha apelidos e gírias particulares para amigos e parentes e adorava trocadilhos", diz ela à Folha.
Na outra carta obtida pela reportagem, ele, aos nove anos, conta ao pai que pôs palha fresca num ninho.
Os volumes, sem previsão de publicação no Brasil, trarão cartas do escritor para amigos como Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Ezra Pound, Ingrid Bergman e Marlene Dietrich.

COLÓQUIO
No Brasil, a Bertrand vai relançar, até o fim do ano, "Tempo de Viver" e "Tempo de Morrer". A Nova Fronteira publicará "The Paris Wife", de Paula McLain, romance sobre a primeira mulher de Hemingway, Elizabeth Hadley Richardson.
Nos EUA, vários lançamentos marcam a efeméride, entre eles "Hemingway's Boat" e "The Heming Way".
Há duas semanas, aconteceu em Havana um colóquio internacional sobre Hemingway, no museu Finca Vigía, o sítio onde viveu o escritor. Sandra Spanier participou.
Representante brasileira, a tradutora Giovana Cordeiro Campos de Mello, da UFRJ, apresentou a história da tradução de Hemingway no Brasil, do pioneiro Monteiro Lobato, em 1941, até as reedições da Bertrand.
Segundo ela, havia no colóquio estudiosos da caligrafia de Hemingway (que escrevia torto) e dos acidentes aéreos sofridos por ele.


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