São Paulo, quinta, 2 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Novidade não importa no novo trabalho da dupla

da Redação

Depois de as TVs martelarem "Pense em Mim" e "Não Aprendi Dizer Adeus", enquanto o cortejo de Leandro passava, ouvir o último disco da dupla Leandro & Leonardo pode dar a impressão de que há novidades relevantes em "Um Sonhador".
Velhos acordes românticos, ritmos arquiconhecidos, temas que se repetem. Tudo o que faz da música conhecida por sertaneja ser popular pode ser encontrado no último disco da dupla, que chegou às lojas com uma tiragem inicial de 1,5 milhão de cópias.
Afinal, como os romances de folhetim, não é o novo ou a experimentação que garantem público ao gênero, mas a repetição.
A partir dos anos 70, depois da incorporação dos instrumentos eletroeletrônicos e da influência country norte-americana, as duplas sertanejas passaram a encarnar uma espécie de imagem possível do campo brasileiro.
O país rural que migrara para as cidades nos anos 50 e 60 se apropriou da tecnologia e das informações então acessíveis. Criou, com isso, uma música que é, essencialmente, um instrumento de reprodução ideológica.
Nas letras do repertório sertanejo, as contradições do mundo rural de hoje não aparecem. O processo cada vez mais intensivo de exploração da terra, que gera desemprego e concentração de capital, nem de longe é enfocado.
Na música, essa idealização é até mais evidente. Primeira voz e segunda voz formam um conjunto totalmente harmônico, como se diferenças não tivessem importância. E a pasteurização instrumental, mais do que fruto do interesse das gravadoras, é também um reflexo dessa idealização.
Não se trata de imaginar uma música sertaneja sem essa visão idílica do campo.
É esse o fundamento desse gênero. E é por isso que as pequenas mudanças -como na incorporação de um discurso lascivo à moda do É o Tchan, em "Cumpade e Cumade" ("E vai de frente requebrando, esfregando/ Rebolando até o chão/ Vai de bundinha/ Remexendo a cinturinha/ Sem deixar cair no chão")- não mudam nem a história da dupla nem a história da música sertaneja. (HAROLDO CERAVOLO SEREZA)



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.