São Paulo, sábado, 2 de agosto de 1997.



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Segundo relatório obtido pela Folha, o mais famoso quadro de Picasso está em precárias condições de conservação
Aos 60 anos, "Guernica" agoniza em Madri

Reprodução
O quadro ''Guernica'', que, segundo relatório elaborado pelo Departamento de Conservação-Restauração do Museu Nacional Rainha Sofia, em Madri, apresenta danos como furos, rasgos e deformações de suporte


MARTA AVANCINI
de Paris

"Guernica", o famoso quadro do pintor Pablo Picasso que retrata o bombardeio de uma cidade homônima na Espanha, está ameaçado devido às suas precárias condições de conservação. Essa é a conclusão de um relatório elaborado pelo Departamento de Conservação-Restauração do Museu Nacional Rainha Sofia, em Madri (Espanha), onde o quadro está exposto desde 1992. Em 70 páginas, o relatório, ao qual a Folha teve acesso, descreve os tipos de danos sofridos pela obra em seus 60 anos de existência -o quadro foi pintado em 1937 a pedido do governo espanhol para ser exposto no pavilhão do país na Exposição Internacional em Paris.
São diversos os problemas apontados no relatório. Um furo de 5 milímetros no olho do guerreiro, zona inferior esquerda.
Rupturas na capa pictórica que atravessam a obra no sentido vertical, principalmente no centro.
Deformações de suporte. Rasgos em alguns pontos da tela, em especial nas bordas (dano considerado irreversível). Acúmulo de resina em diversos pontos da superfície.
Por tudo isso, Pilar Sedano Spin, chefe do Departamento de Conservação-Restauração, conclui que "Guernica" não deve sair dos domínios do museu.
Os inúmeros transportes a que foi submetido e as restaurações realizadas nos anos 50 e 60 pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), nos EUA, são as principais causas do precário estado de conservação de "Guernica".
Entre 1937 e 1992, a obra foi transportada 16 vezes para participar de mostras pelo mundo, de Estocolmo (Suécia), em 1938, a São Paulo, em 1953, para integrar a 2ª Bienal Internacional de Arte.
Cada transporte implica retirar a tela do chassis, o que, ao longo dos anos, provocou as rachaduras na pintura e rasgos na tela.
Devido às grandes dimensões -"Guernica" tem cerca de 3,5 metros de altura por 7,80 metros de largura-, ele tem de ser desmontado, enrolado e remontado cada vez que é transportado.
"A popularidade do quadro fez com que ele se tornasse muito solicitado. Os estragos acabaram sendo inevitáveis", disse o historiador da arte Jean-Louis Ferrier, que dedicou um dos quase 20 livros que escreveu a "Guernica".
As restaurações, prática que normalmente tem o objetivo de preservar uma obra de arte, foram, paradoxalmente, outra causa de dano ao quadro.
A mais importante foi realizada pela equipe do MoMA. Na época, ele já apresentava problemas de perda de cor, rugas e rasgos.
Para solucionar o problema, foram usadas técnicas de restauração comuns na época, como o tratamento do avesso da tela com uma mistura de cera de resina a fim de fixar a cor.
O resultado foi a impregnação, de maneira irreversível, da tela e da pintura, o que pode acelerar o processo de deterioração delas.
O quadro ficou sob a guarda do MoMA entre 1939, onde estava exposto quando começou a Segunda Guerra Mundial, e 1981, quando foi transportado para Madri, conforme desejo de Picasso.
Por causa do conflito, o pintor julgou que a obra estaria mais segura nos EUA, apesar de sempre ter reiterado que ela pertencia à Espanha.
A transferência, no entanto, apenas ocorreu depois da morte de Picasso, em 1973, e com a estabilidade política na Espanha.



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