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CRÍTICA
Andsnes, um pianista calmo,
para um Haydn calmo
ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Na galeria de encantamentos da música, existe um corredor tranquilo e bem iluminado,
onde a gente passeia sem pressa,
gozando o bem-estar europeu.
É a ala Haydn (1732-1809), um
recanto de sabedoria e humor.
Num canto ficam os concertos
para piano e orquestra, hoje relativamente mal conhecidos. Tanto
maior a satisfação de deparar com
esse novo disco do pianista norueguês Leif Ove Andsnes, interpretando os concertos números 3,
4 e 11, acompanhado da Norwegian Chamber Orchestra.
À sombra das obras-primas de
Mozart no gênero, os concertos
de Haydn brilham com estilo próprio e cristalizam o que no classicismo ainda não se cristalizara: o
estilo clássico. É uma arte que
olha para a frente e para trás. Na
leitura de Andsnes, olha mais para trás, para meados do século 18,
do que para o pré-romantismo
das décadas de 1780 e 1790, quando se começa a inventar a música
da modernidade.
Regida pelo pianista, a Norwegian Chamber Orchestra abre sozinha o "Concerto nº 4" e dá o
tom, desde logo, do disco: um
Haydn de câmara, controlado e
cultivado. Um pouco acima do
chão da música, os ornamentos
fazem a felicidade do pianista.
Andsnes toca escalas lindas e
ornamentos perfeitos, mas não é
um artista de fulgurações. É um
pianista calmo, para um Haydn
calmo, embora restem as sugestões de tempestade, neste contemporâneo de Goethe e Schiller.
O ponto alto do disco é o "Concerto nº 11", o mais popular de todos. O segundo movimento é
uma dessas bênçãos que se escuta
aqui e ali nas óperas de Mozart e
que Haydn recria na língua pura
da música instrumental.
Vale a pena comparar a interpretação do músico norueguês
com a versão de Martha Argerich
(DGG, 1994). O que para ela é amplo, noturno, apaixonado, para
Andsnes é vespertino e carinhoso.
Há outra diferença marcante: a
cadência (quando o solista toca
sozinho, como se estivesse improvisando). A tocada por Andsnes
explora a polifonia e avança rapsodicamente, numa sequência
que nenhum outro escreveria, se
quisesse imitar Haydn. Mas foi escrita pelo próprio Haydn.
Já a de Argerich foi composta
por Wanda Landowska, pioneira
da interpretação da música antiga, que compõe aqui uma fantasia
incrível. Acena para Ravel e parece acenar para as inspirações jazzísticas de Brad Mehldau.
Argerich toca o último movimento "all'Ungarese" (à húngara), com tremendo sentido de ritmo. É um abandono e uma festa.
Já Andsnes suaviza as notas dobradas e modera os ímpetos do
leste europeu. Seu Haydn é um
mestre da ironia e um cortesão da
Áustria, nos tempos em que este
ainda era um dos lugares mais civilizados do mundo. Talvez não
seja o Haydn mais original; mas é
de convívio fácil e bom de ouvir.
Haydn é sempre bom de ouvir.
É bom de manhã, bom à tarde.
Pode ser o compositor ideal, na
noite ideal. É sempre bom de ouvir -desde que se esteja pronto
para esse bem-estar todo. Estar
pronto para Haydn é uma educação preciosa, que pode começar,
ou se renovar, neste disco de Leif
Ove Andsnes.
Franz Josef Haydn - Concertos
para Piano e Orquestra Nº 3, 4 e
11
Grupo: Norwegian Chamber Orchestra
-0Leif Ove Andsnes, piano e regência
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 35, em média
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