São Paulo, quarta-feira, 02 de agosto de 2000


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CRÍTICA
Andsnes, um pianista calmo, para um Haydn calmo

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na galeria de encantamentos da música, existe um corredor tranquilo e bem iluminado, onde a gente passeia sem pressa, gozando o bem-estar europeu.
É a ala Haydn (1732-1809), um recanto de sabedoria e humor. Num canto ficam os concertos para piano e orquestra, hoje relativamente mal conhecidos. Tanto maior a satisfação de deparar com esse novo disco do pianista norueguês Leif Ove Andsnes, interpretando os concertos números 3, 4 e 11, acompanhado da Norwegian Chamber Orchestra.
À sombra das obras-primas de Mozart no gênero, os concertos de Haydn brilham com estilo próprio e cristalizam o que no classicismo ainda não se cristalizara: o estilo clássico. É uma arte que olha para a frente e para trás. Na leitura de Andsnes, olha mais para trás, para meados do século 18, do que para o pré-romantismo das décadas de 1780 e 1790, quando se começa a inventar a música da modernidade.
Regida pelo pianista, a Norwegian Chamber Orchestra abre sozinha o "Concerto nº 4" e dá o tom, desde logo, do disco: um Haydn de câmara, controlado e cultivado. Um pouco acima do chão da música, os ornamentos fazem a felicidade do pianista.
Andsnes toca escalas lindas e ornamentos perfeitos, mas não é um artista de fulgurações. É um pianista calmo, para um Haydn calmo, embora restem as sugestões de tempestade, neste contemporâneo de Goethe e Schiller.
O ponto alto do disco é o "Concerto nº 11", o mais popular de todos. O segundo movimento é uma dessas bênçãos que se escuta aqui e ali nas óperas de Mozart e que Haydn recria na língua pura da música instrumental.
Vale a pena comparar a interpretação do músico norueguês com a versão de Martha Argerich (DGG, 1994). O que para ela é amplo, noturno, apaixonado, para Andsnes é vespertino e carinhoso. Há outra diferença marcante: a cadência (quando o solista toca sozinho, como se estivesse improvisando). A tocada por Andsnes explora a polifonia e avança rapsodicamente, numa sequência que nenhum outro escreveria, se quisesse imitar Haydn. Mas foi escrita pelo próprio Haydn.
Já a de Argerich foi composta por Wanda Landowska, pioneira da interpretação da música antiga, que compõe aqui uma fantasia incrível. Acena para Ravel e parece acenar para as inspirações jazzísticas de Brad Mehldau.
Argerich toca o último movimento "all'Ungarese" (à húngara), com tremendo sentido de ritmo. É um abandono e uma festa. Já Andsnes suaviza as notas dobradas e modera os ímpetos do leste europeu. Seu Haydn é um mestre da ironia e um cortesão da Áustria, nos tempos em que este ainda era um dos lugares mais civilizados do mundo. Talvez não seja o Haydn mais original; mas é de convívio fácil e bom de ouvir.
Haydn é sempre bom de ouvir. É bom de manhã, bom à tarde. Pode ser o compositor ideal, na noite ideal. É sempre bom de ouvir -desde que se esteja pronto para esse bem-estar todo. Estar pronto para Haydn é uma educação preciosa, que pode começar, ou se renovar, neste disco de Leif Ove Andsnes.


Franz Josef Haydn - Concertos para Piano e Orquestra Nº 3, 4 e 11    
Grupo: Norwegian Chamber Orchestra -0Leif Ove Andsnes, piano e regência Lançamento: EMI Quanto: R$ 35, em média





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