São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007

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Comida

Bauru com DNA

Projeto certifi cará as casas que fazem a receita tradic ional do sandu íche criado no Ponto Chic

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao pedir um bauru, nunca se sabe ao certo qual versão do sanduíche será servida. Se estiver em uma padaria paulistana, é provável que o chapeiro lhe ofereça um pão francês com presunto, queijo e tomate. Em cidades do interior, o presunto pode dar lugar ao churrasco.
Se o garçom, porém, trouxer um pão francês sem miolo, com fatias de rosbife, rodelas de tomate e de pepino em conserva e queijo derretido na água, pode ser que você esteja em uma casa certificada por fazer o "sanduíche bauru tradicional".
A novidade é uma iniciativa do Comtur (Conselho Municipal de Turismo) de Bauru, que criou um programa (www.sanduiche.baurusp.com.br) para identificar com um selo os estabelecimentos que fazem o bauru segundo a receita tradicional, descrita e protegida por lei municipal. No Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), está em andamento um pedido para registrá-lo como bem imaterial.
"Em Bauru, popularizou-se o sanduíche feito com queijo, presunto e tomate no pão de forma", diz Helerson Balderramas, presidente do Comtur. "Queremos resgatar o bauru originalmente criado em São Paulo, no Ponto Chic."
Na última terça, em uma festa ocorrida na cidade do interior de São Paulo, foram certificados os cinco primeiros estabelecimentos: três unidades da casa paulistana Ponto Chic e os bauruenses Bar do Aeroporto e Skinão, lanchonete que desde o final dos anos 50 foi o principal divulgador do lanche na cidade.
"Cabe ao restaurante, bar ou lanchonete solicitar o certificado de que faz o bauru tradicional. Depois, uma comissão técnica analisa a maneira como ele é produzido e emite um parecer", explica Balderramas.

Uma receita ditada
A origem do bauru remonta à década de 30, à tradicional lanchonete paulistana e é atribuída a um estudante de direito do largo São Francisco, o bauruense Casemiro Pinto Neto -daí o nome do sanduíche.
Habitué do Ponto Chic do largo do Paissandu, Casemiro ditou como queria seu lanche: "Abra um pão francês, tire o miolo e bote um pouco de queijo derretido. Ponha umas fatias de rosbife e de tomate".
"A grande sacada dele foi misturar tudo em um único sanduíche -e ele se vangloriava muito disto. Naquela época, sanduíche de queijo era sanduíche de queijo; o de churrasco só tinha churrasco. Misturar carne, queijo e salada era algo meio absurdo", diz José Carlos de Souza, atual proprietário do Ponto Chic, onde 75 mil baurus são vendidos por ano.
A receita inventada por "Bauru" fez tanto sucesso que o sanduíche se disseminou rapidamente e, ao longo dos anos, foi sendo modificado. Ganhou rodelas de pepino em conserva, e o rosbife deu lugar, principalmente, ao presunto.
"O sanduíche passou por uma adaptação no Brasil todo. Por exigir um processo de elaboração e não ser facilmente encontrado pronto, o rosbife acabou sendo substituído por presunto. Ficou mais fácil de fazer e se popularizou, mas perdeu aquela originalidade", diz Balderramas.
O jeitinho brasileiro alterou também a técnica original de derretimento do queijo, em que fatias de gouda, prato e estepe (ou suíço) são fundidas na água quente com manteiga e resultam em uma mistura extremamente cremosa e saborosa que escorre para fora do pão. Hoje, a prática mais recorrente consiste em tostar a mussarela na chapa, o que a torna rija.
Diferencial do Ponto Chic, o truque do derretimento dos queijos na água foi herdado do Carlino, restaurante que pertencia ao pai de Odílio Cecchini, fundador da lanchonete.
"O bauru é um patrimônio histórico paulista, brasileiro. Não podemos dizer que é nosso e que ninguém mais pode prepará-lo. Se não houvesse esta boa vontade de brigar pelo nome do sanduíche, o bauru poderia cair no esquecimento", diz o dono do Ponto Chic.


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