São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

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Crítica/"Cypriano e Chan-ta-lan"

"Revista" do Oficina se dilui em narcisismo e "ungüento do tempo"

Baseada em texto inédito de Luis Antônio Martinez Corrêa, encenação tem narrativa de uma puerilidade auto-indulgente

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Comemorando 50 anos por meio da retomada da obra de Luis Antônio Martinez Corrêa (1950-1987), o Teatro Oficina, após "Taniko, o Rito do Mar", propõe "Cypriano e Chan-ta-lan". Ao contrário de "Taniko", última encenação de Luis Antônio, que buscava a contenção por meio da fábula de Zeami e de Brecht, o extrovertido "Cypriano" é seu primeiro texto como dramaturgo, em parceria com a atriz Analu Prestes, que iniciava como figurinista e cenógrafa a carreira de artista plástica. O texto, inédito até hoje, conserva a excitação febril daqueles tempos, prenunciando a resistência pela alegria, o "desbunde". Em 1973, recém-lançado pelo sucesso de "O Casamento do Pequeno Burguês", de Brecht, Luis Antônio celebrava a associação livre de temas, entre o ritual psicodélico e alegorias do teatro de revista. "Cypriano" pode ser considerado uma revista pessoal, permeada de piadas internas, experimentando a épica do "Teatro Musical Brasileiro", que viria a ser seu foco principal. Unindo "Alice no País das Maravilhas" com a rainha Mab de Shakespeare e outros arquétipos que parecem sair de "Macunaíma", a peça narra as desventuras do príncipe Cypriano em busca da sua amada princesa Chan-ta-lan, raptada em um domingo de primavera. Sua missão, como na "Flauta Mágica", de Mozart, é a de resgatar a alegria em meio aos perigos de um tempo de caretas e milicos, por meio da obtenção do milagroso "ungüento do tempo". O Oficina sempre buscou esse ungüento, ou seja, expressar o aqui e agora do grupo e da política, seja qual for o tema do espetáculo. Aqui, falha. Apesar de ter na manga vários arquétipos pessoais, como a energia da auto-estima reconquistada dos adolescentes do Bixigão, o diretor Marcelo Drummond deixa a peça se diluir no arbitrário, justificada apenas pelo narcisismo de seus protagonistas. Assim, a narrativa se interrompe em parênteses intermináveis para que cada um possa brilhar em seu monólogo, com uma puerilidade auto-indulgente, reforçada por versos constrangedores, como o que exalta o "cafuné no calo do pé" ou o fedor do quibe de Habib's. Tratada como clássico, a brincadeira inconseqüente de Luis Antônio e Analu Prestes acaba soando arrogante, menosprezando previamente todos os que não possuem os códigos privados dos clubbers dionisíacos, que vêm trocando seu patrono por Narciso. Os fiéis que vão para tirar a roupa adoram. Mas, ao ficar na contemplação de seu umbigo, o Oficina pode se tornar obsoleto. Sempre será bem-vinda a revista de Luis Antônio. Mas aos poucos, no Oficina, muito se revê, e pouco se revista.

CYPRIANO E CHAN-TA-LAN
Quando: sábados, às 21h, e domingos, às 19h; até 17/8
Onde: Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 0/xx/11/3106-2818)
Quanto: R$ 30
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: regular



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