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MÚSICA
Elza
Antonio Duarte/ Folha Imagem
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A cantora carioca Elza Soares, que está lançando "Trajetória" -seu primeiro álbum em oito anos-, no Rio, semana passada
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro
Nove anos sem gravar e morando mais no exterior que no Brasil,
Elza Soares está de volta. "Trajetória", sua estréia em CD, devolve
a cantora aos braços do Brasil e aos
braços do samba.
Personagem de "Cantando para
Não Enlouquecer", biografia escrita por José Louzeiro que será
lançada no final do mês, Elza rememora, em disco e livro, trajetória marcada por tragédias pessoais
e oscilação profissional.
Antes de se tornar cantora, passou fome, viveu em favela, casou
aos 12 anos, teve cinco filhos, trabalhou em fábrica de sabão e hospício. Em 1962, no auge do sucesso, iniciou relação conturbada de
17 anos com o jogador de futebol
Garrincha (1933-1983).
De carreira errática desde então,
volta em disco que conta com sambas tradicionais, clássicos da MPB,
baladas tristes e participação especial de Zeca Pagodinho.
"Eu sou uma cantora 'djou': de
outro mundo, entendeu?", é como se define. Leia a seguir trechos
de sua entrevista à Folha.
Folha - Esse é seu primeiro álbum
lançado originalmente em CD. Por
que a ausência tão longa?
Elza Soares - Meu filho (Garrinchinha, morto em 86, aos 9
anos) morreu, me descontrolei totalmente. Larguei tudo e fui embora para a América, completamente
sozinha. Eu estava muito chata.
Fui para Paris, Roma. Até que
disse: "Gente, vou voltar para o
Brasil". Não acredito que exista
alguém mais patriota que eu. Chego a ser nojenta. Olhava Paris, dizia: "Não parece o Brasil". Ia para
Londres, Londres é cinzenta. Nova
York: "Não gosto, não".
Folha - Posso perguntar sua idade?
Elza - Olha, pode perguntar que
eu vou responder. Tive várias encarnações, então não sei. Já tive
encarnação de 7 anos, de 20, tem
dia que eu tenho 100, tem dia que
tenho 50. (Segundo o biógrafo José
Louzeiro, Elza nasceu em 1930.)
Folha - Como você descobriu que
ia ser cantora?
Elza - Com a lata d'água na cabeça. Pegava a lata e dava um gemido (emite som grave característico). Já era "djou". Quando disse
que ia ser cantora, foi um escândalo na família. "Tudo menos cantora!" Era como prostituição.
Casei e tive filho aos 12 anos, fiquei viúva aos 18, ele ficou tuberculoso. Matei um marido logo de
cara, cantei para ele subir, ele subiu. Foi horrível. Fiquei com a filharada -nunca fui muito parideira, só pari nove-, como ia ganhar dinheiro? Cantando.
Folha - Como foi descoberta?
Elza - Por Moreira da Silva e
Sylvinha Telles. Graças ao Moreira, fui cantar na boate Texas Bar.
Uma noite estava lá cantando, e
chega a Sylvinha. Cometi a maior
gafe. Eu tinha um medo louco de
gente, fazia cara de fera. Eu cantando, ela me olhando assim...
Pensei: "Meu Deus do céu, homem eu sei, mas mulher?". Ela
disse: "Meu amor, quando acabar
quer ir sentar à mesa comigo?".
Eu disse: "A senhora está muito
enganada, o que pensa que eu
sou?". E ela: "Menina, você é um
bicho! Meu nome é Sylvinha Telles. Quero convidar você para gravar na Odeon". Falei: "Dona
Sylvinha Telles!!! Deixa eu abraçar
a senhora!".
Folha - Ela não tinha segundas
intenções mesmo?
Elza - Não tinha. Também, se
tivesse, eu não ia entender, era
muito burrinha. Nem sabia o que
era bicha, para mim era tudo homem. Depois fiquei amiga. Agora
eu sou biba, não tem mais que eu.
Folha - Quando você conseguiu
gravar?
Elza - Em
60. Na época,
saía para trabalhar às seis da
tarde e era só
porta e janela
batendo na
avenida. "Já
vai ela, pois
é..." Eu nem
aí, a palavra
"prostituta" é
a mais linda
que existe.
Gravei "Se
Acaso Você
Chegasse", e
no dia seguinte
estava no rádio, "a voz que
veio para ficar". Voltei
para casa de
manhã, nenhuma janela
bateu. Mas que
falsidade, que
hipocrisia, ô,
mundo cão.
Antes, meus filhos não tinham com
quem brincar,
eram filhos de
uma prostituta. Depois...
Folha - Houve
outras gafes?
Elza - Muitas. Vem um
cara com um
ramo de flores:
"Trago rosas
para outra rosa". Eu respondo: "Já começou errando. Meu nome
não é Rosa,
não gosto de
rosas e não
canto rosas".
Ele disse: "Você canta minha
música, eu gosto". Eu disse: "O
senhor pede aí a sua música que eu
canto". "'Se Acaso Você Chegasse', sou o autor, Lupicinio Rodrigues." Eu: "Seu Lupicinio!!! Ai,
por que o senhor não falou antes?". Ele: "Como, minha filha?
Você parecia que ia me morder".
Folha - E o Garrincha?
Elza - Ah, falar do Mané outra
vez? Ele foi uma gracinha, quero
falar só o lado bom. O Mané também tinha um lado muito bom. Foi
o grande amor da minha vida.
Folha - Como define o novo CD?
Elza - É um novo início. É uma
mulher com muita vida, depois de
umas pedras que interromperam a
trajetória. Mas eu dei a volta.
Folha - "O Meu Guri", de Chico
Buarque, remete a seu filho?
Elza - Eu conheço esse guri, ele
existe na minha vida. Tive um filho
que perdi por causa de fome.
Folha - O trecho "não perca tempo assim contando história/ pra
que forçar tanto a memória pra dizer/ que a triste hora do fim se faz
notória/ continuar a trajetória é
retroceder" é autobiográfico?
Elza - Isso é lindo demais. É
muito verdade.
O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a
convite da gravadora Universal.
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