São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2000


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LIVROS/LANÇAMENTOS

"GUSTAVO CAPANEMA"
A ópera da cultura mineira

GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Empenhado na recuperação da memória política mineira, o autor Murilo Badaró já se ocupou de José Maria Alkimin, de Mílton Campos e, agora, nos oferece uma biografia muito bem documentada de Gustavo Capanema, o famoso ministro da Educação e Saúde do primeiro governo Vargas, 1934-1945, que foi responsável por uma revolução na cultura, tido e havido como paradigma do intelectual no poder.
Dá gosto ler um livro sobre um político culto e patriota como Gustavo Capanema (cujo secretário particular foi o poeta Carlos Drummond de Andrade), que acreditava na força criativa da cultura brasileira, sobretudo nesses tempos desnacionalizados em que o traço dominante é o pessimismo baixo-astral em relação ao país.
Segundo o médico e romancista Pedro Nava, o ministro de Getúlio Vargas foi o maior homem da educação que o Brasil já teve. Criador do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, com a ajuda de Mário de Andrade, do Instituto Nacional do Livro, dirigido pelo crítico literário gaúcho Augusto Meyer, do Serviço Nacional do Teatro, do Museu Imperial de Petrópolis, da Casa Rui Barbosa, do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (para quem Villa-Lobos dedicou a Bachiana número 5), do Serviço Nacional de Educação Sanitária, além de padrinho da moderna arquitetura brasileira com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e Cândido Portinari.
Em suma, Gustavo Capanema foi um executivo modernista cujas idéias encontraram a maior receptividade por parte de Getúlio Vargas, que, segundo o juscelinista desenvolvimentista Murilo Badaró, adorava conviver e conversar com os intelectuais, desfazendo a fama injusta de que Vargas teria sido um tosco intelectualmente, um casca-grossa.
Numa época como a nossa, em que é visível a demonização do poder junto com o avacalhamento do político, convém meditar no exemplo de Gustavo Capanema que, não obstante amar o poder, contribuiu para civilizar o homem brasileiro, segundo depoimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, que era de esquerda. Aliás, o ministério de Capanema era tido pelas vozes reacionárias como um reduto bolchevique.
O livro comovente de Murilo Badaró parece que foi escrito ao pé do ouvido do leitor: ao evocar o intelectual Capanema, tanto a sua função pública quanto a sua intimidade, o que sobressai é a oralidade da narrativa intimista. De Belo Horizonte, o cientista político Jarbas Medeiros informou-me que o autor é um barítono cantor de ópera premiado, decorrendo talvez daí o motivo da forte impregnação oral, quase em clima de conversa, dessa biografia.
Uma tese que se depreende desse estudo biográfico é a idéia de que o Estado Novo (1937-1945), em vez de ter sido um regime discricionário inteiramente abominável, a encarnação do diabo totalitário mais do que o movimento militar de 64, foi na verdade um acontecimento revolucionário no plano da cultura, graças à livre e inteligente atuação de Gustavo Capanema como ministro de Getúlio Vargas, o "bom tirano", como queria Gilberto Freyre.
Isso acaba por colocar a seguinte questão à historiografia que condena sem nuance o Estado Novo: como é que uma ditadura (e as ditaduras, todas, são intelectualmente obscurantistas) pode ser progressista na infra-estrutura econômica e administrativa ou de vanguarda na superestrutura cultural? O advogado Gustavo Capanema, que era excelente orador, gostava de citar na praça de Liberdade, em Belo Horizonte, a bela frase de Ortega y Gasset: "O que não é destino é frivolidade".


Gustavo Capanema - A Revolução na Cultura
     Autor: Murilo Badaró Editora: Nova Fronteira Quanto: R$ 38 (548 págs.)





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