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LIVROS/LANÇAMENTOS
"GUSTAVO CAPANEMA"
A ópera da cultura mineira
GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Empenhado na recuperação
da memória política mineira,
o autor Murilo Badaró já se ocupou de José Maria Alkimin, de
Mílton Campos e, agora, nos oferece uma biografia muito bem
documentada de Gustavo Capanema, o famoso ministro da Educação e Saúde do primeiro governo Vargas, 1934-1945, que foi responsável por uma revolução na
cultura, tido e havido como paradigma do intelectual no poder.
Dá gosto ler um livro sobre um
político culto e patriota como
Gustavo Capanema (cujo secretário particular foi o poeta Carlos
Drummond de Andrade), que
acreditava na força criativa da cultura brasileira, sobretudo nesses
tempos desnacionalizados em
que o traço dominante é o pessimismo baixo-astral em relação ao
país.
Segundo o médico e romancista
Pedro Nava, o ministro de Getúlio
Vargas foi o maior homem da
educação que o Brasil já teve.
Criador do Serviço de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional,
com a ajuda de Mário de Andrade, do Instituto Nacional do Livro, dirigido pelo crítico literário
gaúcho Augusto Meyer, do Serviço Nacional do Teatro, do Museu
Imperial de Petrópolis, da Casa
Rui Barbosa, do Conservatório
Nacional de Canto Orfeônico (para quem Villa-Lobos dedicou a
Bachiana número 5), do Serviço
Nacional de Educação Sanitária,
além de padrinho da moderna arquitetura brasileira com Lúcio
Costa e Oscar Niemeyer e Cândido Portinari.
Em suma, Gustavo Capanema
foi um executivo modernista cujas idéias encontraram a maior receptividade por parte de Getúlio
Vargas, que, segundo o juscelinista desenvolvimentista Murilo Badaró, adorava conviver e conversar com os intelectuais, desfazendo a fama injusta de que Vargas
teria sido um tosco intelectualmente, um casca-grossa.
Numa época como a nossa, em
que é visível a demonização do
poder junto com o avacalhamento do político, convém meditar no
exemplo de Gustavo Capanema
que, não obstante amar o poder,
contribuiu para civilizar o homem brasileiro, segundo depoimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, que era de esquerda. Aliás, o ministério de Capanema era tido pelas vozes reacionárias como um reduto bolchevique.
O livro comovente de Murilo
Badaró parece que foi escrito ao
pé do ouvido do leitor: ao evocar o
intelectual Capanema, tanto a sua
função pública quanto a sua intimidade, o que sobressai é a oralidade da narrativa intimista. De
Belo Horizonte, o cientista político Jarbas Medeiros informou-me
que o autor é um barítono cantor
de ópera premiado, decorrendo
talvez daí o motivo da forte impregnação oral, quase em clima
de conversa, dessa biografia.
Uma tese que se depreende desse estudo biográfico é a idéia de
que o Estado Novo (1937-1945),
em vez de ter sido um regime discricionário inteiramente abominável, a encarnação do diabo totalitário mais do que o movimento
militar de 64, foi na verdade um
acontecimento revolucionário no
plano da cultura, graças à livre e
inteligente atuação de Gustavo
Capanema como ministro de Getúlio Vargas, o "bom tirano", como queria Gilberto Freyre.
Isso acaba por colocar a seguinte questão à historiografia que
condena sem nuance o Estado
Novo: como é que uma ditadura
(e as ditaduras, todas, são intelectualmente obscurantistas) pode
ser progressista na infra-estrutura
econômica e administrativa ou de
vanguarda na superestrutura cultural? O advogado Gustavo Capanema, que era excelente orador,
gostava de citar na praça de Liberdade, em Belo Horizonte, a bela
frase de Ortega y Gasset: "O que
não é destino é frivolidade".
Gustavo Capanema - A
Revolução na Cultura
Autor: Murilo Badaró
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 38 (548 págs.)
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