São Paulo, Sábado, 02 de Outubro de 1999
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LIVRO/LANÇAMENTOS

O mundo está em "Greenwich Village 1963"


DAVID DREW ZINGG
Colunista da Folha

"Não fosse pelos judeus, os ciganos e os bichas, não haveria teatro."

Mel Brooks
Sally Banes, autora de "Greenwich Village 1963 - Performance de Vanguarda e o Corpo Efervescente", deve ter um andar muito interessante.
Ela deve ter que forçar seus músculos ao máximo para carregar o peso quase insuportável centralizado no que os gringos chamam de "the belly button" -ou seja, Joãozinho, seu umbigo. Explico: Banes propõe a intrigante teoria segundo a qual quase tudo de importância nos anos 60 e depois aconteceu no Greenwich Village, em Nova York.
Para ser mais preciso, tudo isso teria acontecido numa ruazinha chamada MacDougal Street, e a maior parte bem perto do umbigo de Banes -em seu próprio e superpovoado apartamento.
Sally Banes, porém, também tem peso no departamento de credenciais.
Ela é professora titular da cadeira Marian Hannah Winter de estudos de teatro e dança na Universidade de Wisconsin - Madison, cujo programa de dança presidiu de 1992 a 1996.
Foi crítica de arte performática do "The Village Voice" e editora do "Dance Research Journal". Já escreveu sobre dança, teatro, cinema e arte performática para toda uma gama de publicações influentes.
Além de "Greenwich Village", escreveu "Writing Dance in the Age of Postmodernism" (Escrevendo a Dança na Era do Pós-Modernismo), "Terpsichore in Sneakers: Post-Modern Dance" (Terpsicore de Tênis -A Dança Pós-Moderna) e "Democracy's Body: Judson Dance Theatre 1962-1964" (O Corpo da Democracia -Judson Dance Theatre 1962-1964).
"Subversive Expectations" (Expectativas Subversivas), sua coletânea de resenhas de arte performática, foi publicada pela University of Michigan Press em 1998.
Estamos tratando de uma pessoa que foi participante ativa em muitas das transformações sociais explosivas que marcaram a década passageiramente revolucionária de 60.
Seu livro procura demonstrar que 1963 foi um ano crucial para a arte de vanguarda na Gringolândia. Fazendo uma reverência moderna a Foucault, Banes descreve Greenwich Village naquela década crítica como uma "heteropia". Para ela e seu guru francês, a palavra significa festivo, brincalhão, performático, esquerdista, exótico e, sobretudo, erótico.
O crítico Robert Brustein disse: "Como se pode deduzir do subtítulo do livro, "Performance de Vanguarda e o Corpo Efervescente", Banes é especialmente instigada pela natureza corpórea, quando não aerada, de seu tema.
"Meu dicionário", prossegue Brustein, "define "efervescente" como algo que "borbulha e chia levemente devido à emissão de gás'".
"Não sou capaz de determinar se essa definição descreve melhor a tese ou o estilo de Banes", alfinetou o crítico.
Banes alega que as sementes da revolução sexual, da contracultura, do movimento pacifista, do movimento de orgulho gay, do pós-modernismo, da "comunidade e democracia, no trabalho e no lazer, do corpo, dos papéis femininos", e assim por diante etc., foram todas plantadas naquele fatídico ano de 1963.
Tudo aconteceu na MacDougal Street ou em suas redondezas, diz, diante dos aplausos retumbantes de jornalistas do "Village Voice".
Este livro descreve, em todos seus detalhes humanos minúsculos, uma revolução ocorrida na cidade de sua autora.
Fala de como um grupo de pessoas emocionalmente motivadas atacou tudo que fosse establishment, que já existia anteriormente, na tentativa de alçar-se a posições de poder artístico.
Sua leitura dá ao leitor a sensação de uma edição especial de "Caras" dedicada à explosão de novas idéias artísticas. Banes narra as histórias da evolução e do desenvolvimento de um grupo de jovens novos no pedaço como Andy Warhol, Sam Shepard, John Cage e ... aaaargh! Yoko Ono.
Ela fala do Living Theater (sob a direção daquele casal temível que alcançou a fama em Minas Gerais, Judith Malina e Julian Beck), de Jonas Mekas (e seu movimento de cinema underground), dos "happenings", nos quais as pessoas passavam suas roupas, lavavam os cabelos e raspavam as pernas (ou se beijavam, faziam sexo oral ou dormiam por horas a fio, como nos filmes de Warhol), dramaticamente.
É fascinante ler os detalhes íntimos (leia-se: realmente íntimos) de como a turma do Village tentou (figurativamente) derrubar a estátua do czar, apenas para substituí-la pela de Lênin.
Os vanguardistas de Greenwich Village acreditavam que qualquer pessoa pode criar uma obra de arte. Essa premissa levou diretamente ao conhecido clichê segundo o qual qualquer pessoa pode ter 15 minutos de fama mundial.
Banes apresenta como sua mostra número um o movimento Fluxus. Esse grupo interessante (se você curte o escatológico) foi inventado por um artista gráfico chamado George Maciunas.
Sua estética era baseada no fluxo, descrito por Maciunas como "emissões fluidas dos intestinos ou outras partes".
"O Fluxus", escreveu Maciunas, "convida ... todo humano a vir trabalhar ou brincar" com a criação de arte.
Os artistas do Fluxus tinham alguns problemas com a escolha de seu meio preferido. Qual era o melhor, indagavam -xixi, cocô ou queijo podre?
"Greenwich Village 1963" é uma leitura ótima que narra os detalhes de uma batalha colorida e singular na guerra constante e sempre atual da busca pela perfeição artística.
Se o umbigo de Sally Banes foi ou não o centro do mundo conhecido é um ponto que vai permanecer em dúvida.


Tradução de Clara Allain
Avaliação:    

Livro: Greenwich Village 1963
Autora: Sally Banes
Editora: Rocco
Quanto: R$ 42,50 (408 págs.)


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