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LIVRO/LANÇAMENTOS
O mundo está em "Greenwich Village 1963"
DAVID DREW ZINGG
Colunista da Folha
"Não fosse pelos judeus, os ciganos e
os bichas, não haveria teatro."
Mel Brooks
Sally Banes, autora
de "Greenwich Village 1963 - Performance de Vanguarda e o Corpo Efervescente", deve ter
um andar muito interessante.
Ela deve ter que forçar seus
músculos ao máximo para carregar o peso quase insuportável
centralizado no que os gringos
chamam de "the belly button"
-ou seja, Joãozinho, seu umbigo. Explico: Banes propõe a intrigante teoria segundo a qual quase
tudo de importância nos anos 60 e
depois aconteceu no Greenwich
Village, em Nova York.
Para ser mais preciso, tudo isso
teria acontecido numa ruazinha
chamada MacDougal Street, e a
maior parte bem perto do umbigo
de Banes -em seu próprio e superpovoado apartamento.
Sally Banes, porém, também
tem peso no departamento de
credenciais.
Ela é professora titular da cadeira Marian Hannah Winter de estudos de teatro e dança na Universidade de Wisconsin - Madison, cujo programa de dança presidiu de 1992 a 1996.
Foi crítica de arte performática
do "The Village Voice" e editora
do "Dance Research Journal". Já
escreveu sobre dança, teatro, cinema e arte performática para toda uma gama de publicações influentes.
Além de "Greenwich Village",
escreveu "Writing Dance in the
Age of Postmodernism" (Escrevendo a Dança na Era do Pós-Modernismo), "Terpsichore in Sneakers: Post-Modern Dance" (Terpsicore de Tênis -A Dança Pós-Moderna) e "Democracy's Body:
Judson Dance Theatre 1962-1964"
(O Corpo da Democracia -Judson Dance Theatre 1962-1964).
"Subversive Expectations" (Expectativas Subversivas), sua coletânea de resenhas de arte performática, foi publicada pela University of Michigan Press em 1998.
Estamos tratando de uma pessoa que foi participante ativa em
muitas das transformações sociais explosivas que marcaram a
década passageiramente revolucionária de 60.
Seu livro procura demonstrar
que 1963 foi um ano crucial para a
arte de vanguarda na Gringolândia. Fazendo uma reverência moderna a Foucault, Banes descreve
Greenwich Village naquela década crítica como uma "heteropia".
Para ela e seu guru francês, a palavra significa festivo, brincalhão,
performático, esquerdista, exótico e, sobretudo, erótico.
O crítico Robert Brustein disse:
"Como se pode deduzir do subtítulo do livro, "Performance de
Vanguarda e o Corpo Efervescente", Banes é especialmente instigada pela natureza corpórea, quando não aerada, de seu tema.
"Meu dicionário", prossegue
Brustein, "define "efervescente"
como algo que "borbulha e chia levemente devido à emissão de
gás'".
"Não sou capaz de determinar
se essa definição descreve melhor
a tese ou o estilo de Banes", alfinetou o crítico.
Banes alega que as sementes da
revolução sexual, da contracultura, do movimento pacifista, do
movimento de orgulho gay, do
pós-modernismo, da "comunidade e democracia, no trabalho e no
lazer, do corpo, dos papéis femininos", e assim por diante etc., foram todas plantadas naquele fatídico ano de 1963.
Tudo aconteceu na MacDougal
Street ou em suas redondezas, diz,
diante dos aplausos retumbantes
de jornalistas do "Village Voice".
Este livro descreve, em todos
seus detalhes humanos minúsculos, uma revolução ocorrida na cidade de sua autora.
Fala de como um grupo de pessoas emocionalmente motivadas
atacou tudo que fosse establishment, que já existia anteriormente, na tentativa de alçar-se a posições de poder artístico.
Sua leitura dá ao leitor a sensação de uma edição especial de
"Caras" dedicada à explosão de
novas idéias artísticas. Banes narra as histórias da evolução e do
desenvolvimento de um grupo de
jovens novos no pedaço como
Andy Warhol, Sam Shepard, John
Cage e ... aaaargh! Yoko Ono.
Ela fala do Living Theater (sob a
direção daquele casal temível que
alcançou a fama em Minas Gerais,
Judith Malina e Julian Beck), de
Jonas Mekas (e seu movimento
de cinema underground), dos
"happenings", nos quais as pessoas passavam suas roupas, lavavam os cabelos e raspavam as pernas (ou se beijavam, faziam sexo
oral ou dormiam por horas a fio,
como nos filmes de Warhol), dramaticamente.
É fascinante ler os detalhes íntimos (leia-se: realmente íntimos)
de como a turma do Village tentou (figurativamente) derrubar a
estátua do czar, apenas para substituí-la pela de Lênin.
Os vanguardistas de Greenwich
Village acreditavam que qualquer
pessoa pode criar uma obra de arte. Essa premissa levou diretamente ao conhecido clichê segundo o qual qualquer pessoa pode
ter 15 minutos de fama mundial.
Banes apresenta como sua mostra número um o movimento Fluxus. Esse grupo interessante (se
você curte o escatológico) foi inventado por um artista gráfico
chamado George Maciunas.
Sua estética era baseada no fluxo, descrito por Maciunas como
"emissões fluidas dos intestinos
ou outras partes".
"O Fluxus", escreveu Maciunas,
"convida ... todo humano a vir
trabalhar ou brincar" com a criação de arte.
Os artistas do Fluxus tinham alguns problemas com a escolha de
seu meio preferido. Qual era o
melhor, indagavam -xixi, cocô
ou queijo podre?
"Greenwich Village 1963" é uma
leitura ótima que narra os detalhes de uma batalha colorida e
singular na guerra constante e
sempre atual da busca pela perfeição artística.
Se o umbigo de Sally Banes foi
ou não o centro do mundo conhecido é um ponto que vai permanecer em dúvida.
Tradução de Clara Allain
Avaliação:
Livro: Greenwich Village 1963
Autora: Sally Banes
Editora: Rocco
Quanto: R$ 42,50 (408 págs.)
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