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São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2003

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Lígia Cortez dirige peça do mexicano Emilio Carballido, sobre a América Latina e a mulher

SONHOS À DERIVA

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Iara Jamra (à esq.) e Cristina Mutarelli em cena de "Estrelas do Orinoco", peça escrita por Emilio Carballido, um dos maiores dramaturgos contemporâneos do México, que estréia amanhã em SP


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas mulheres travam diálogos líricos e existenciais a bordo de um barco à deriva. Mina e Fifi são atrizes em busca de um eldorado. Mas estão ali, perdidas em pleno Orinoco, o caudaloso rio que nasce nas Guianas, cruza a floresta amazônica, separa a Venezuela da Colômbia e vai desaguar no Atlântico.
Eis o ponto de partida de "Orinoco", peça do mexicano Emilio Carballido, 78, considerado o "patriarca da dramaturgia contemporânea" em seu país.
Carballido é pouco conhecido do público brasileiro. No final dos anos 90, montou-se por aqui "Rosa de Dos Aromas", traduzida "A Volta por Cima" e protagonizada por Nívea Maria.
A primeira montagem de "Orinoco", peça escrita em meados dos anos 80, e que ganhou o título "Estrelas do Orinoco" na tradução de Hugo Villavicenzio, estréia amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.
É a segunda direção da atriz Lígia Cortez ("Um Céu de Estrelas"). Em cena, Cristina Mutarelli (Mina) e Iara Jamra (Fifi) interpretam as personagens tragicômicas de Carballido.
Em sua dramaturgia, o autor reafirma o caráter fantástico de suas histórias. Em "Orinoco", por exemplo, ele cita a Macondo de Gabriel García Márquez.
Para Mina e Fifi, que viajam por conta de um contrato de apresentação do show da dupla em um garimpo, o barco bater ou afundar é um detalhe. Seus sonhos parecem superar a tudo e a todos.
A própria incerteza do destino das mulheres do velho barqueiro Stella Mares, em que pese tanta utopia, constitui uma metáfora da América Latina, como Carballido pondera em entrevista à Folha, por escrito. Sua dramaturgia é comumente associada ao universo feminino, perspectiva que a montagem brasileira também endossa. Ele brinca que é "para atrair as mulheres".
 

Folha - O que o estimulou a escrever "Orinoco"? Há alguma relação com o contexto histórico do México e da América Latina na metade dos anos 80?
Emilio Carballido -
"Orinoco" surgiu numa manhã, entre sonhos. Fiz anotações e a curiosa idéia começou a crescer por si mesma, a se desdobrar em duas mulheres. Quando me dei conta, a obra já estava pronta.

Folha - Em seus antagonismos, as personagens Mina e Fifi podem representar a arte como condição de transcendência da vida? O "Orinoco" do título está muito próximo da figura de outra palavra, onírico. Seria um reflexo da luta dos povos latino-americanos pelo sonho possível?
Carballido -
Surpreendeu-me muito as vidas de Mina e Fifi. Eram capazes de tudo. Uma era otimista, a outra pessimista. Parecia estar aqui o jogo principal e a razão de ser de acontecimentos tão complicados. Você compreenderá que, para mim, a obra foi um ato de diversão, um circo, um show. Uma dupla de mulheres eloquentes, tentando resolver seus mistérios cada vez mais piores, e com o barco andando por si.
Tudo isso não quer dizer que não haja relações com a América Latina e o México, que não se pensa na luta dos povos latino-americanos e em quantas situações difíceis aparecem nessa obra. Porém, elas surgem como um sonho. Não posso dizer que há passagens de identificação de raça e de lutas, como não posso negar um sonho qualquer.

Folha - Sente-se confortável no posto de patriarca da dramaturgia mexicana? Segue escrevendo?
Carballido -
Não estou muito seguro de ser o patriarca dos dramaturgos. Esse título inclui a idade, mas não leva em conta a qualidade do que escreve o patriarca. Prefiro que me chamem de alguma outra coisa. Minha última comédia se chama "Cuento de la Edad Media" [Conto da Idade Média], para quatro personagens. Não gosto de falar do que estou escrevendo até que o texto esteja concluído. A galinha nunca anuncia seu ovo até que o bote.

Folha - Em seu currículo, constam curtas-metragens e longas. Como encara a arte do cinema?
Carballido -
No cinema, se trabalha por interesse. Alguém escreve o roteiro para um filme quando lhe chamam. Às vezes, o sujeito pode escrever sobre algum recorte histórico que lhe atraia muito. Porém, em geral, tenho vivido muito melhor de teatro.


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