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FERNANDO BONASSI
Quinze anos dessa noite
Foram 111 os presuntos desossados ao fim de tudo, segundo as autoridades
DOIS MALANDROS que se
acham "muito espertos"
-considerando que os "mais
inteligentes" mesmo têm advogados
para não ficar presos- brigam pelo
espaço de um varal no pátio de uma
cadeia superlotada de bandidos pobres.
É ridículo, mas é só uma cueca o
que um deles quer pendurar para secar. E, folgando, vai enfiando o troço... Acontece que há tanta roupa
pra arranjar pro domingo que se avizinha que o vizinho resolve não deixar. E joga o treco no chão.
Os dois discutem. Todos estão agitados para ficar bonitos. Há mulheres para receber, filhos para beijar,
alguns lances para acertar e mesmo
falar de outras coisas, que de más intenções o lugar esteve cheio a semana toda.
Aquela besteira entre eles não vai
acabar bem, mas ainda é cedo para
saber. Por enquanto são os dois que
se partem nas pernadas.
Logo os outros que se chutavam
no campo de futebol juntam-se a
eles, no que são seguidos por muitos
outros, curiosos e torcedores de ver
até onde o circo ia queimar. Todos
vão se danar neste inferno, mas estão acostumados a lidar com a vida
assim, do jeito que as suas vidas lidaram com eles.
Os guardas, protegidos pelos muros e cancelas, se assustam com o tamanho da balbúrdia. As feras soltas
são muitas e nem estão domesticadas! Resolvessem virar bichos, não
haveria grade ou guarda penitenciária para conter a sua fúria sanguinária!
Por isso os funcionários chamam
a polícia detestada pela maioria daqueles outros lá de baixo, onde a briga degenera em bandalheira, como a guerra fratricida da realidade brasileira.
Chegam os assessores engravatados e telefonemas atrapalhados são
disparados até atingirem os maiores
líderes dentre eles, que estão ocupados com tudo num dia de eleição,
menos com aqueles que não votam,
não se elegem e, no máximo, representam os milhões que votarão com
o estômago e o intestino.
É uma porcaria mesmo. Esse era o
valor da vida então...
Aqui não é diferente agora, mas o
acerto de contas, naquela hora, sai
do varal do quintal e contagia dentro
da "Casa", invadindo o pavilhão, as
alas e as celas onde os "reeducandos" deveriam repousar e aprender.
São capazes de aprender a apanhar! E o pau segue comendo como
se fosse a coisa mais natural do
mundo em que nasceram.
O mais burro -ou seria apenas ingênuo demais de não imaginar o que
mais poderia acontecer?- ainda se
tranca e dá a chave ao carcereiro!
Disse que "iriam resolver a coisa entre eles", como se houvesse assunto
privado na latrina em que se encontravam.
Não há reféns, nem bandidos armados, mas os coturnos dos homens
blindados são ouvidos.
Estão prestes a serem servidos...
O banquete será longo, seco e obscuro.
A luz foi cortada. A água que sobrou está minando na parede como
se mandasse um recado aos experientes, mas parece que só mesmo
os insanos conseguem dar ouvidos
às súplicas dos inocentes.
As súplicas serão caladas na porrada.
Há baionetas improvisadas, facas
e estiletes para serem arremessados
e espetados uns nos outros, que essa
convivência nunca foi fácil para ninguém.
De um lado estão mais de três centenas e meia de agentes da lei com
carteira assinada por salários suicidas; do outro, mais de mil iletrados
desempregados que tiveram o azar
de nascer no lugar errado ou terem
se desencaminhado na insatisfação
mesquinha dos seus desejos.
Mesquinharia, de todo modo, ainda está por vir... Porque apesar de
ninguém ter nada a perder, resolveram deixar a sanha da morte pegar
tudo o que pudesse ganhar, numas
rajadas de ignorância que fizeram as
escolas e bibliotecas da região fecharem de vergonha da civilização que
defendem em seus livros!
Todos puderam ouvir os gritos
que os cachorros deram, bem como
os latidos dos homens que ajudavam, ganindo desesperados pelos
corredores.
Foram 111 os presuntos desossados ao fim de tudo, segundo as autoridades. "Eram mais de 400", segundo alguns malucos miseráveis que
asseguraram ter visto cadáveres como eles arremessados no lixo!
As cadeias de TV ficaram agitadas
para o deleite da insegurança.
Algumas cabeças foram cortadas e
assessores perderam o emprego,
mas ganharam imunidades e aposentadoria... Ainda hoje são condecorados por bravura. Policiais, é claro. Quanto aos 111 empilhados do
outro lado e que exalam há 15 anos
nesta longa noite dos paulistanos, o
Estado tapa o nariz, a justiça os
olhos e o cidadão dorme o sono que
merece...
E ai de quem discordar, não é mesmo?
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