São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2008

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"Nova dramaturgia" contesta críticas

Sérgio Roveri, Mário Bortolotto e Newton Moreno respondem a comentários de que faltam "tendências e modernidade" na produção atual

Amir Haddad e Alcione Araújo apontaram suposta platitude do teatro brasileiro contemporâneo como razão do "boom" de remontagens


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Os comentários do diretor Amir Haddad e do escritor Alcione Araújo sobre a suposta platitude da dramaturgia brasileira contemporânea, publicados anteontem na Ilustrada, geraram contestações veementes de escritores e atores.
Ao elencar as possíveis causas para um "boom" de remontagens de comédias dos anos 80 (há três em cartaz em São Paulo), o primeiro observou que "faltam textos novos que a gente se sinta estimulado a montar". Já Araújo avaliou que "as pessoas que têm algum talento para a escrita e para a narrativa dramática estão optando pela TV ou pelo cinema".
Haddad, que assina a dramaturgia de "Brincando em Cima Daquilo" (uma das peças do revival oitentista), viu na nova versão de "Doce Deleite" "um vazio dramatúrgico absoluto". E julgou que a recém-estreada releitura de "O Mistério de Irma Vap" "jamais será o acontecimento que foi naquela época [86-97] por causa de dois atores maravilhosos [Marco Nanini e Ney Latorraca]".
Em e-mail, o ator Marcelo Médici, que está em "Irma", diz que seu intento "nunca será o de participar de "acontecimentos" teatrais": "Se fosse assim, ninguém poderia interpretar Hamlet, Molière ou qualquer espetáculo que já foi feito por Procópio Ferreira, Sérgio Cardoso, Fernanda Montenegro, Paulo Autran".

Riscos
Ele também responde à afirmação de Haddad de que "o sistema de estrelas se implantou sem responsabilidade [...] A coisa brasileira ficou "farinha pouca, meu pirão primeiro'":
"Esse senhor não me conhece, não conhece meu trabalho, assim como eu não o conheço, tampouco seu trabalho. Portanto, o comentário não me cabe, e a opinião dele pode ser leviana. Qual a vantagem de parar meu solo (autoral) "Cada um com Seus Pobrema", em que tinha ingressos esgotados com dois meses de antecedência, e começar um novo projeto, sem patrocínio, com todas as inseguranças, dificuldades?".
Para Sérgio Roveri, indicado ao Shell-SP 2008 de melhor autor por "A Coleira de Bóris", é uma inverdade dizer que faltam bons textos inéditos. "São Paulo dá exemplos diários de que há, sim, eventos e festivais baseados em novos autores. Existe quantidade; pesquisando, descobre-se a qualidade."
O autor acha que falta disposição para correr riscos. "É mais importante o desafio que traga um ar de novidade, que empur- re o teatro adiante do que a aposta certa que não leve a lugar nenhum, não mexe em estruturas. Como esperar que o teatro tenha inovação, respiro, que caminhe, se você parte do princípio de que ele não tem nada de bom agora e fica só atrás de sucessos comprovados, fórmulas antigas?"
A réplica do dramaturgo e diretor Antonio Rocco a quem crê faltar renovação na dramaturgia brasileira virá durante o 1º Festival do Teatro Grotesco de São Paulo (de 17/10 a 9/11), que ele organiza. Da programação constam dez peças atuais.
"Remontar sob o argumento de que não há nada novo de qualidade? Isso é um absurdo, coisa de quem não pesquisou. Já há algum tempo a dramaturgia voltou com tudo, principalmente nas salas pequenas, onde é possível experimentar."

O tempo dirá
Em e-mail, o dramaturgo e ator Mário Bortolotto, um dos mais encenados no teatro paulistano atual, diz que "Doce Deleite", "Irma Vap" e "Brincando..." "buscam o entretenimento, pura e simplesmente":
"Não tenho nada contra [...] Mas não pretendo mudar uma vírgula na minha dramaturgia. Se, por causa disso, quiserem duvidar de sua qualidade, fiquem à vontade [...] Cada um na sua, né? O tempo é que vai dizer quem é que está certo".
Também por e-mail, Newton Moreno, duas vezes vencedor do prêmio Shell de melhor autor nos últimos quatro anos, afirma perceber "um fortalecimento do dramaturgo contemporâneo": "O processo colaborativo solicitou sua presença, e ele prontamente tem agido para organizar um discurso antenado com as questões de nosso tempo e lugar".
Moreno frisa que "os clássicos devem ser sempre montados, e precisamos reverenciar e aprender com os mestres", mas que é necessário lembrar "que faltam mais espaços para a formação do profissional".


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