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"A inquietação juvenil irrompe, sim, nos palcos"
MÁRIO VIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA
São engraçadas -para
não dizer desinformadas
ou deselegantes- as declarações do dramaturgo
Alcione Araújo e do diretor Amir Haddad à Ilustrada de anteontem. Para
justificar suas remontagens de peças dos anos 80
(Araújo é autor de "Doce
Deleite" e Haddad dirige
"Brincando em Cima Daquilo"), ambos atacam a
carência de bons textos
contemporâneos e a frouxidão do teatro brasileiro.
O teatro anda mal das
pernas, é verdade. E até
agora não surgiu um novo
Nelson Rodrigues, também é verdade. Mas dizer
que não existe bom teatro
por aí -ah, isso é desrespeitar os profissionais que
erguem seus espetáculos
nos mais variados espaços.
Alguns com ajuda de fomento; outros, com apoios
ou pequenos patrocínios;
e um monte, com a cara, o
tesão e a coragem.
Boa vontade não transforma mau teatro em Shakespeare. Das quase cem
peças em cartaz na ci-
dade nesta semana, uma
parte não teria fãs nem entre as mães do elenco. Mas
o bacana é que ainda há
muita gente fazendo teatro para meia dúzia de gatos pingados (em noite de
boa bilheteria).
Só se aprende, fazendo.
Só se acerta, após muito
erro. Exigir um novo Plínio Marcos a cada temporada é dizer para o novo
autor: "Desista, meu filho,
você nunca vai ser um dos
Grandes". Como se eles, os
que falam isso, estivessem
entre "os Grandes".
Futuro
Lamentar a "falta de
ideologia dos jovens" cansou. Há outras lutas e outras ideologias. A inquietação juvenil irrompe, sim,
nos palcos. Basta ter olhar
atento e ser generoso para
receber o futuro sem medo de se tornar passado.
Alcione Araújo se diz
surpreso com o sucesso de
"Doce Deleite". Deve estar
brincando. Araújo está na
batalha há tempo suficiente para saber que as pessoas não correm para ver
"a peça do Alcione", mas "a
peça do Gianecchini". Antigamente, as pessoas iam
ver Cacilda Becker, não
importasse que peça fosse.
Amir Haddad lamenta o
descompromisso e a internacionalização do teatro
brasileiro. Mas assina a remontagem de um texto
mediano do prêmio Nobel
italiano Dario Fo, estrelado por uma boa atriz popular na TV. A mesma peça, montada com uma desconhecida, dificilmente
atrairia tanta gente como
com Debora Bloch.
Nós mostramos nossos
trabalhos na praça Roosevelt, no Centro Cultural,
no Vivo, no Folha ou na
Faap, com a mesma honestidade e respeito pelo
teatro, o nosso e o dos outros. Escrevemos peça, damos oficina, fazemos roteiro para a TV ou o cinema. Tudo junto. Vivemos
do nosso suor e, às vezes,
trazemos de volta nossas
próprias peças. Não é pecado remontar peças antigas e ganhar dinheiro com
elas. Bobagem é tentar
aplacar a culpa do suces-
so atacando a geração
seguinte.
MÁRIO VIANA, 48, é autor das peças
"Carro de Paulista", "Vestir o Pai" e "O
Médico e os Monstros", todas em cartaz.
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