São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2008

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"A inquietação juvenil irrompe, sim, nos palcos"

MÁRIO VIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA

São engraçadas -para não dizer desinformadas ou deselegantes- as declarações do dramaturgo Alcione Araújo e do diretor Amir Haddad à Ilustrada de anteontem. Para justificar suas remontagens de peças dos anos 80 (Araújo é autor de "Doce Deleite" e Haddad dirige "Brincando em Cima Daquilo"), ambos atacam a carência de bons textos contemporâneos e a frouxidão do teatro brasileiro. O teatro anda mal das pernas, é verdade. E até agora não surgiu um novo Nelson Rodrigues, também é verdade. Mas dizer que não existe bom teatro por aí -ah, isso é desrespeitar os profissionais que erguem seus espetáculos nos mais variados espaços. Alguns com ajuda de fomento; outros, com apoios ou pequenos patrocínios; e um monte, com a cara, o tesão e a coragem. Boa vontade não transforma mau teatro em Shakespeare. Das quase cem peças em cartaz na ci- dade nesta semana, uma parte não teria fãs nem entre as mães do elenco. Mas o bacana é que ainda há muita gente fazendo teatro para meia dúzia de gatos pingados (em noite de boa bilheteria). Só se aprende, fazendo. Só se acerta, após muito erro. Exigir um novo Plínio Marcos a cada temporada é dizer para o novo autor: "Desista, meu filho, você nunca vai ser um dos Grandes". Como se eles, os que falam isso, estivessem entre "os Grandes".

Futuro
Lamentar a "falta de ideologia dos jovens" cansou. Há outras lutas e outras ideologias. A inquietação juvenil irrompe, sim, nos palcos. Basta ter olhar atento e ser generoso para receber o futuro sem medo de se tornar passado. Alcione Araújo se diz surpreso com o sucesso de "Doce Deleite". Deve estar brincando. Araújo está na batalha há tempo suficiente para saber que as pessoas não correm para ver "a peça do Alcione", mas "a peça do Gianecchini". Antigamente, as pessoas iam ver Cacilda Becker, não importasse que peça fosse. Amir Haddad lamenta o descompromisso e a internacionalização do teatro brasileiro. Mas assina a remontagem de um texto mediano do prêmio Nobel italiano Dario Fo, estrelado por uma boa atriz popular na TV. A mesma peça, montada com uma desconhecida, dificilmente atrairia tanta gente como com Debora Bloch. Nós mostramos nossos trabalhos na praça Roosevelt, no Centro Cultural, no Vivo, no Folha ou na Faap, com a mesma honestidade e respeito pelo teatro, o nosso e o dos outros. Escrevemos peça, damos oficina, fazemos roteiro para a TV ou o cinema. Tudo junto. Vivemos do nosso suor e, às vezes, trazemos de volta nossas próprias peças. Não é pecado remontar peças antigas e ganhar dinheiro com elas. Bobagem é tentar aplacar a culpa do suces- so atacando a geração seguinte.

MÁRIO VIANA, 48, é autor das peças "Carro de Paulista", "Vestir o Pai" e "O Médico e os Monstros", todas em cartaz.



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