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CRÍTICA ROMANCE
Carrère ergue eficiente "romance de não ficção" a partir de tragédia do tsunami
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O título do último livro de
Emmanuel Carrère, "Outras
Vidas que Não a Minha", dá
bem a ideia do compromisso
ético de que o livro se cerca.
Um relato cujo foco, finalidade e meio é o outro; o outro
com quem o "eu" aprendeu a
transformar sua vida neurótica e derrotista numa vida
mais positiva.
Não se trata de um romance. O próprio autor o denomina como um "romance de
não ficção".
Na França também se
criou um termo, "autoficção", do qual o autor discorda, pois o texto utiliza recursos ficcionais, como a montagem, a aproximação de eventos distantes no tempo, o
flashback, mas não chega a
se constituir como uma invenção, pois tudo de que fala
efetivamente aconteceu, inclusive os próprios nomes
das personagens.
Carrère estava em férias no
Sri Lanka, em 2004, durante
o tsunami. Ele e sua família
escaparam milagrosamente,
mas presenciaram várias tragédias e, entre elas, especialmente a de um casal amigo
que perdeu a filha.
A mulher do autor, de
quem ele já tinha decidido se
separar, por total incapacidade de manter um relacionamento, se desdobra em
cuidados desinteressados
para atender ao maior número possível de pessoas. Isso o
espanta e o imobiliza.
Ao voltarem para a França, sua cunhada entra em um
processo terminal de câncer
e se prepara para morrer.
Ela é uma juíza, numa cidade do interior, e trabalha
em conjunto com outro juiz,
Etiènne, para proteger consumidores pequenos e desprotegidos contra grandes
empresas financeiras.
Com a autorização de
Etiènne, o autor passa a pesquisar detalhadamente a legislação trabalhista francesa, processos, brechas e interpretações dúbias da lei.
Desta maneira, vai sendo
criado um quadro da personalidade de Juliette, a juíza,
como uma mulher determinada, forte e sensível. Essa situação também contribui para que o autor se decida categoricamente a mudar sua situação conjugal.
São histórias de grande interesse humano, mas, para
um leitor de ficção, é inevitável manter a questão: há valor literário neste relato autobiográfico? Não muito.
O valor do texto se sustenta como uma narrativa eficiente e como lição de vida e
compromisso ético de aprendizado a partir do outro.
Isso não é, certamente,
pouca coisa. Mas não é o caso
de considerá-lo, como muita
gente vem fazendo, como um
dos melhores romances do
ano. Algumas distâncias ainda precisam ser mantidas.
OUTRAS VIDAS QUE NÃO A
MINHA
AUTOR Emmanuel Carrère
TRADUÇÃO André Telles
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 34,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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