São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2000

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CINEMA/ESTRÉIAS

"E AÍ, MEU IRMÃO, CADÊ VOCÊ?"
Irmãos Coen reconstituem "Odisséia" nos anos 30

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

As comédias dos irmãos Coen às vezes lembram os filmes de Almodóvar: remetem a um imaginário existente, que trabalham meio à moda dos escultores -desfiguram o original à medida mesmo que o evocam.
Com isso, estamos às voltas, se a operação é bem-sucedida, com algo de novo, mas nunca perdemos a lembrança do antigo.
Em "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?", essa operação é dupla: trata-se de partir da "Odisséia", de Homero, ao narrar a longa volta ao lar de um presidiário, Ulysses (George Clooney). Ele foge de uma prisão do Mississippi, durante a Depressão dos anos 30, acompanhado de dois colegas (John Turturro e Tim Blake Nelson), em busca de um suposto tesouro enterrado num local que, dentro de dias, será inundado para dar lugar a uma represa.
Estamos às voltas, portanto, com uma saga de vários braços -os presidiários, o Sul, a Depressão-, o que convém a esse tipo de operação. Estamos às voltas, também, com um perigo que, durante certo tempo, rondou os filmes de Almodóvar: ao evocar certo tipo de narrativa tradicional, transfigurando-a e transformando-a em comédia, corre-se o risco da inconsequência, de o espectador, ao final de tudo, perguntar-se: muito bem, mas e daí?
Almodóvar safou-se dessa nos últimos tempos, colocando o humor em surdina e abraçando decididamente o melodrama. Porque esse tipo de humor dá ao autor a sensação de superioridade em relação ao passado evocado.
Daí, também, o sentimento de inconsequência: não é por ser presente que o tempo presente e sua maneira de sentir as coisas tornam-se melhor que o passado. Cada momento é fechado em si, possui sua verdade intransferível.
Joel Coen, diretor, e Ethan, seu co-roteirista e produtor, parecem estar, neste filme, em um estágio intermediário: não renunciam à tradição que pretendem renovar (e que alimenta sua ficção) nem aderem a ela de todo.
Talvez por isso, o que há de mais interessante em "E Aí, Meu Irmão" venha justamente da reconstituição de um tempo histórico. São as músicas, os rostos e os lugares mostrados que criam o encanto para que as aventuras dos atores se tornem aceitáveis.
Se algumas sequências são muito fortes, como a da entrada de Baby Face Nelson, clássico facínora, ou a do ritual da Ku Klux Klan, existem inúmeros momentos, no entanto, em que somos soterrados por signos. Se certas imagens dão bem idéia dessa tendência confortável a desacreditar das coisas, o filme tem, por outro lado, um belo faro para reviravoltas e momentos em que as coisas conseguem impor sua verdade a este filme nem sempre convincente, mas, no todo, agradável.


E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?
O Brother, Where Art Thou?
   Direção: Joel Coen Produção: EUA, 2000 Com: George Clooney, John Turturro Quando: a partir de hoje nos cines Pátio Higienópolis, Jardim Sul e circuito




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