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CINEMA/ESTRÉIAS
"E AÍ, MEU IRMÃO, CADÊ VOCÊ?"
Irmãos Coen reconstituem "Odisséia" nos anos 30
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
As comédias dos irmãos
Coen às vezes lembram os
filmes de Almodóvar: remetem a
um imaginário existente, que trabalham meio à moda dos escultores -desfiguram o original à medida mesmo que o evocam.
Com isso, estamos às voltas, se a
operação é bem-sucedida, com algo de novo, mas nunca perdemos
a lembrança do antigo.
Em "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?", essa operação é dupla: trata-se de partir da "Odisséia", de Homero, ao narrar a longa volta ao
lar de um presidiário, Ulysses
(George Clooney). Ele foge de
uma prisão do Mississippi, durante a Depressão dos anos 30,
acompanhado de dois colegas
(John Turturro e Tim Blake Nelson), em busca de um suposto tesouro enterrado num local que,
dentro de dias, será inundado para dar lugar a uma represa.
Estamos às voltas, portanto,
com uma saga de vários braços
-os presidiários, o Sul, a Depressão-, o que convém a esse tipo
de operação. Estamos às voltas,
também, com um perigo que, durante certo tempo, rondou os filmes de Almodóvar: ao evocar certo tipo de narrativa tradicional,
transfigurando-a e transformando-a em comédia, corre-se o risco
da inconsequência, de o espectador, ao final de tudo, perguntar-se: muito bem, mas e daí?
Almodóvar safou-se dessa nos
últimos tempos, colocando o humor em surdina e abraçando decididamente o melodrama. Porque esse tipo de humor dá ao autor a sensação de superioridade
em relação ao passado evocado.
Daí, também, o sentimento de
inconsequência: não é por ser
presente que o tempo presente e
sua maneira de sentir as coisas
tornam-se melhor que o passado.
Cada momento é fechado em si,
possui sua verdade intransferível.
Joel Coen, diretor, e Ethan, seu
co-roteirista e produtor, parecem
estar, neste filme, em um estágio
intermediário: não renunciam à
tradição que pretendem renovar
(e que alimenta sua ficção) nem
aderem a ela de todo.
Talvez por isso, o que há de mais
interessante em "E Aí, Meu Irmão" venha justamente da reconstituição de um tempo histórico. São as músicas, os rostos e os
lugares mostrados que criam o
encanto para que as aventuras
dos atores se tornem aceitáveis.
Se algumas sequências são muito fortes, como a da entrada de
Baby Face Nelson, clássico facínora, ou a do ritual da Ku Klux Klan,
existem inúmeros momentos, no
entanto, em que somos soterrados por signos. Se certas imagens
dão bem idéia dessa tendência
confortável a desacreditar das coisas, o filme tem, por outro lado,
um belo faro para reviravoltas e
momentos em que as coisas conseguem impor sua verdade a este
filme nem sempre convincente,
mas, no todo, agradável.
E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?
O Brother, Where Art Thou?
Direção: Joel Coen
Produção: EUA, 2000
Com: George Clooney, John Turturro
Quando: a partir de hoje nos cines Pátio
Higienópolis, Jardim Sul e circuito
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