São Paulo, sábado, 02 de novembro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

"O HOMEM DUPLICADO"

Escritor português agora prepara "romance policial" que tem como personagem Alexandre Dumas

Para Saramago, nova obra é "engajadíssima"

Reprodução do livro "Perfil da Coleção Itaú"
Os duplos, tema de Saramago, na escultura de Edgard de Souza


DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir a continuação da entrevista com José Saramago.
 

Folha - O sr. concorda com seu personagem Tertuliano, professor que defende que a história deveria ser ensinada de frente para trás? Se o sr. fosse escrever a história do mundo hoje, qual seria o primeiro evento? O 11 de setembro?
José Saramago -
Se eu escrevesse a história do mundo de frente para trás, como preconiza Tertuliano, eu começaria pela eleição presidencial do Brasil deste ano e pela vitória de Lula, a quem, se ele mo permite, envio, desta ilha de Lanzarote, um abraço.

Folha - O sr., no último Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, se manifestou com mensagem muito dura com os partidos políticos, no caso os de esquerda. Como o sr. relaciona essa posição com sua expectativa com o governo Lula?
Saramago -
Nós, portugueses, sabemos muito de sebastianismos, essa idéia de que alguém virá um dia resolver os nossos problemas. O melhor que eu posso desejar aos brasileiros é que não façam de Lula um dom Sebastião. Trabalhem ao lado dele porque ele está ao vosso lado.

Folha - O sr. é um dos intelectuais com mais presença mundial nas grandes discussões sociais. Sua literatura, porém, não é sempre marcadamente "engajada" -como em "O Homem Duplicado". O que o sr. pensa do papel do escritor como agente social? Ele deve ser como Cassandra, a personagem greco-romana (citada em seu livro) que previa infortúnios?
Saramago -
Não estou de acordo. "O Homem Duplicado" é um livro engajadíssimo. Talvez não se note isso numa primeira leitura, mas à segunda, se o leitor tiver paciência para ela, o engajamento aparece. Não é um engajamento óbvio, não é um engajamento em primeiro grau, como foi o caso de "Levantado do Chão", mas está lá.
Quanto ao que chama papel social do escritor, não creio que tenha ou deva ter um papel específico. Em primeiro lugar é um cidadão, e é como tal que atua. Por ser escritor a sua voz chegará mais longe, mas quem fala é sempre o cidadão. E no que a Cassandra respeita, se pressentimos que se aproxima um desastre, é nossa obrigação avisar. Podemos enganar-nos, mas pelo menos não ajudamos ao engano dos outros com o nosso silêncio.

Folha - Em "O Homem Duplicado" se fala sobre "Uma História do Senso Comum", descrito como "um livro que já deveria ter sido escrito"? O sr. tem planos de fazê-lo? Com que frequência o sr., assim como Tertuliano, encontra o personagem chamado "senso comum"?
Saramago -
O livro não farei. Seria obra de uma vida. A que me resta não dá para tanto. Quanto ao senso comum, aparece-me de vez em quando. Às vezes, acato o que me diz, outras vezes mando-o passear. O senso comum deve ser tomado em doses homeopáticas, nem de mais, nem de menos.

Folha - Como anda o "romance policial" que o sr. estava fazendo com Alexandre Dumas como personagem? E o "Livro das Tentações", seu velho projeto?
Saramago -
O livro sobre Dumas virá a seguir. Já estaria na Companhia das Letras se o "O Homem Duplicado" não se tivesse metido à frente. Ao "Livro das Tentações" também lhe chegará a vez, o pobre tem sido vítima constante do que sucedeu agora ao Dumas.


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