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LIVRO/LANÇAMENTO
"O HOMEM DUPLICADO"
Escritor português agora prepara "romance policial" que tem como personagem Alexandre Dumas
Para Saramago, nova obra é "engajadíssima"
Reprodução do livro "Perfil da Coleção Itaú"
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Os duplos, tema de Saramago, na escultura de Edgard de Souza |
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir a continuação da
entrevista com José Saramago.
Folha - O sr. concorda com seu
personagem Tertuliano, professor
que defende que a história deveria
ser ensinada de frente para trás? Se
o sr. fosse escrever a história do
mundo hoje, qual seria o primeiro
evento? O 11 de setembro?
José Saramago - Se eu escrevesse
a história do mundo de frente para trás, como preconiza Tertuliano, eu começaria pela eleição presidencial do Brasil deste ano e pela
vitória de Lula, a quem, se ele mo
permite, envio, desta ilha de Lanzarote, um abraço.
Folha - O sr., no último Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, se
manifestou com mensagem muito
dura com os partidos políticos, no
caso os de esquerda. Como o sr. relaciona essa posição com sua expectativa com o governo Lula?
Saramago - Nós, portugueses,
sabemos muito de sebastianismos, essa idéia de que alguém virá
um dia resolver os nossos problemas. O melhor que eu posso desejar aos brasileiros é que não façam
de Lula um dom Sebastião. Trabalhem ao lado dele porque ele está ao vosso lado.
Folha - O sr. é um dos intelectuais
com mais presença mundial nas
grandes discussões sociais. Sua literatura, porém, não é sempre
marcadamente "engajada" -como em "O Homem Duplicado". O
que o sr. pensa do papel do escritor
como agente social? Ele deve ser
como Cassandra, a personagem
greco-romana (citada em seu livro)
que previa infortúnios?
Saramago - Não estou de acordo. "O Homem Duplicado" é um
livro engajadíssimo. Talvez não se
note isso numa primeira leitura,
mas à segunda, se o leitor tiver paciência para ela, o engajamento
aparece. Não é um engajamento
óbvio, não é um engajamento em
primeiro grau, como foi o caso de
"Levantado do Chão", mas está lá.
Quanto ao que chama papel social do escritor, não creio que tenha ou deva ter um papel específico. Em primeiro lugar é um cidadão, e é como tal que atua. Por ser
escritor a sua voz chegará mais
longe, mas quem fala é sempre o
cidadão. E no que a Cassandra
respeita, se pressentimos que se
aproxima um desastre, é nossa
obrigação avisar. Podemos enganar-nos, mas pelo menos não ajudamos ao engano dos outros com
o nosso silêncio.
Folha - Em "O Homem Duplicado"
se fala sobre "Uma História do Senso Comum", descrito como "um livro que já deveria ter sido escrito"?
O sr. tem planos de fazê-lo? Com
que frequência o sr., assim como
Tertuliano, encontra o personagem chamado "senso comum"?
Saramago - O livro não farei. Seria obra de uma vida. A que me
resta não dá para tanto. Quanto
ao senso comum, aparece-me de
vez em quando. Às vezes, acato o
que me diz, outras vezes mando-o
passear. O senso comum deve ser
tomado em doses homeopáticas,
nem de mais, nem de menos.
Folha - Como anda o "romance
policial" que o sr. estava fazendo
com Alexandre Dumas como personagem? E o "Livro das Tentações",
seu velho projeto?
Saramago - O livro sobre Dumas
virá a seguir. Já estaria na Companhia das Letras se o "O Homem
Duplicado" não se tivesse metido
à frente. Ao "Livro das Tentações"
também lhe chegará a vez, o pobre tem sido vítima constante do
que sucedeu agora ao Dumas.
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