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ANIVERSÁRIO
Eternizada em poema de Drummond, Da Vinci guarda 80 mil livros e outras centenas de histórias curiosas
"Mãe de todas as livrarias" chega aos 50
RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO
Em algum dia de 1970 ou 1971
-ele já não se lembra bem-, o
crítico e escritor José Castello, então estudante de jornalismo, saiu
apressado da livraria Leonardo da
Vinci, no centro do Rio, que, neste
mês, completa 50 anos. Amedrontado, Castello tinha acabado
de cometer um crime.
"Era estudante de primeiro ou
segundo ano de faculdade e vivia
duro. Um dia, estava na livraria e
vi um livro que me deixou maravilhado. Resolvi roubá-lo.
Devo ter andado umas duas ou
três quadras pela avenida Rio
Branco. Quando já achava que estava completamente livre, uma
mão me pega pelas costas.
Voltei para a Da Vinci acompanhando o funcionário que me levava pelo braço.
Descemos a rampa em caracol
que conduz ao subsolo do prédio
185 da Rio Branco. Dona Vana
[Giovana Piraccini, 76, imigrante
italiana e proprietária da loja" estava na mesa dos fundos. Trêmulo, devolvi o volume.
"Puxa! Cortazar. É um escritor
maravilhoso", disse dona Vana.
"Vamos fazer um negócio: leve o
livro emprestado; daqui a um
mês, devolva"."
Castello diz que abandonou o livro e a livraria, onde só pisaria novamente anos depois.
Nem a atitude do futuro jornalista nem a reação generosa da
proprietária foram fatos isolados
nos 50 anos da loja, refúgio e "escritório" de Carlos Drummond
de Andrade -cujo centenário se
comemora nesta semana-, entre
tantos outros escritores.
Rui Campos, dono da concorrente "Livraria da Travessa", diz
que a Da Vinci "é a mãe de todas
as livrarias". "É uma referência
não só no Brasil, mas internacionalmente."
A livraria conta hoje com 80 mil
títulos diferentes. Espalham-se
por 400 metros quadrados em estantes que vão até o limite do pé-direito de 3,80 m. Entre eles, o
"Codice Arundel", com reproduções de 45 ilustrações do próprio
Leonardo da Vinci, editado pela
British Library. Atualmente a
obra mais cara da loja, seus dois
volumes saem por R$ 24 mil.
"São [livros] muito tentadores",
diz o poeta e filósofo Antonio Cícero, dono de uma conta na loja
quando era estudante de filosofia,
no final dos 60. "Eu juro que nunca furtei. Nesse ponto sou muito
careta."
Dona Vana afirma que já "emprestou" livros para muita gente.
"Nós tivemos experiências fabulosas. Pessoas que depois de anos
mandaram pacotes de livros de
volta com uma carta de carinho:
"Quando era estudante trotskista
não tinha dinheiro..."."
Além dos "pobres estudantes",
Dona Vana enumera outros fregueses habituais: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Golbery do
Couto e Silva, Glauber Rocha, Roberto Campos, Raymundo Faoro,
Ferreira Gullar.
O mais habitual, entretanto, foi
o poeta Carlos Drummond de
Andrade, que durante anos trabalhou no Ministério da Educação, a
duas quadras dali -fazia visitas
ao MEC mesmo depois de esvaziar as gavetas e retirar da parede
o retrato de Itabira-, e outros
tantos anos no "Jornal do Brasil",
na Rio Branco. "Este lugar aqui
[mostra o sofá instalado nos fundos da loja, para uso do poeta] era
seu refúgio", diz dona Vana.
Em 1973, ano em que Drummond publicou o poema "Livraria", em homenagem à Da Vinci, a
loja pegou fogo.
Drummond e outros intelectuais cariocas resolveram então
pagar contas antecipadas, por
compras futuras, "a serem movimentadas quando se tiver normalizado a situação do estabelecimento", explicou o poeta em crônica, dias depois do incêndio.
Homenagear o ilustre freguês
foi a forma que a Da Vinci encontrou para comemorar o próprio
aniversário. Uma exposição de livros raros, cartas e fotos do poeta
preenche as vitrines do subsolo
do edifício Marquês do Herval.
Também será realizado, na Biblioteca Nacional, o ciclo de palestras "Cinco Décadas em Questão", sobre temas dominantes da
cultura nos últimos 50 anos.
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