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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Mônica Bergamo/Folha Imagem
A primeira-dama Marisa entre dom Geraldo Majella, da CNBB, e Sarney; bênçãos pela discrição


Encontro de pontos cardeais

Há quase 20 anos, o ex-presidente José Sarney esteve com o papa João Paulo 2º em Roma. "Papa, preciso de uma reza, urgente. Estamos numa situação de muitas dificuldades no Brasil. Preciso de uma reza que me ajude a realizar a reforma agrária no país. Mas é urgente, papa." João Paulo 2º olhou bem nos olhos do então presidente do Brasil e, calmo, respondeu: "Mas, meu filho, a igreja não lida com urgências. A igreja lida com a eternidade".

Foi assim, desfiando "causos" e mais "causos", que Sarney, hoje presidente do Senado, recepcionou na noite da quinta-feira, em sua residência, em Brasília, a mais alta cúpula da Igreja Católica no Brasil: os cardeais dom Geraldo Majella Agnelo, presidente da CNBB, dom Eugênio Sales, arcebispo emérito do Rio, dom Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo (e cotado para papa), dom Eusébio Scheid, o mais novo cardeal brasileiro (também com chances), dom José Freire Falcão, arcebispo de Brasília.

 

O poder dos representantes da palavra de Deus se juntou ao poder dos representantes dos homens: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marisa e 19 senadores como Roseana Sarney (PFL), Paulo Paim (PT), Aloizio Mercadante (PT), Eduardo Suplicy (PT), Tasso Jereissati (PSDB), ACM (PFL), Pedro Simon (PMDB) e outros.
 

Foram 85 os convidados -havia também muitos arcebispos, como dom Luciano Mendes de Almeida, bispos e padres. Os religiosos chegaram todos juntos, espremidos num ônibus verde. O presidente Lula, bastante atrasado (ele estava no Nordeste e desembarcou direto para o jantar), chegou num comboio de seis carros pretos.
 

Antes de Lula chegar, foi representado por Marisa. Num discreto conjunto de saia bege e blusa esverdeada, a primeira-dama foi ciceroneada por dona Marly, que, a conduzindo carinhosamente pelo braço, apresentou Marisa às principais autoridades eclesiásticas. Marisa relatava a correria em que sua vida se transformou, explicando o atraso de Lula. "É bastante cansativo", dizia.
 

Depois, Marisa ocupou um lugar ao lado de Sarney e de dom Geraldo Majella, na mesa principal do jantar, e de novo recebeu as bênçãos dos cardeais. "A senhora tem sido excelente. Discreta, elegante, sem querer aparecer demais", elogiava dom Eugênio Sales, entre um gole e outro do vinho branco chileno Cosecha Tarapacá. No cardápio, além das saborosas histórias de Sarney, havia surubim defumado, ragu de perdiz e, de sobremesa, marquesa de chocolate. Ao fundo, a deslumbrante vista do lago Paranoá, de Brasília.
 

O principal assunto do encontro, cuja motivação era a "comemoração ao jubileu de prata" de João Paulo 2º, foi a sucessão do próprio papa. "Vamos perguntar ao dom Cláudio se ele vai ser mesmo papa", sugeria o senador Suplicy. Sugestão aceita pela coluna: "Dom Cláudio, o senador Suplicy quer saber: o senhor vai ser papa?". Sorrisos, sorrisos. "Então, quem vai ser papa?" E dom Cláudio, mais sorrisos: "Eu não falo nada...".
 

Um e outro arcebispo cochichava: o novo cardeal, dom Eusébio Scheid, também tem chance. Scheid desconversa. Diz que o Brasil nem precisa de um papa brasileiro. "Para quê? O papa é do mundo todo. Eu vou votar num africano." Perto de dom Cláudio, ele não repete a declaração de voto: "Eu não digo nada...".
 

Dom Eusébio conta os detalhes de sua nomeação como cardeal: "Foi muito comovente. Para quem conheceu o papa antes... Eu o conheci em 91. Era arcebispo de Florianópolis e o hospedei em minha casa. E sempre brincava: "O senhor fala 70 línguas. Eu, que falo cinco, já me confundo... O senhor telefona para Deus e ele ajuda?". E o papa dizia: "Para falar línguas não é necessário inteligência, e sim atenção e bom ouvido". Então, para quem o conheceu antes...."
 

Um brinde ao papa, levantado por Sarney, outro brinde ao papa, sugerido por dom Geraldo Majella, e eis que, findo o jantar, chega o presidente Lula. "Como vai, arcebispa do Maranhão?", brinca ele com dona Marly. "E aqui, eu, o arcebispo do Ceará", brinca Tasso Jereissati. A reforma agrária entra em pauta. Nodia seguinte, a CNBB lançará uma nota "estimulando" o projeto apresentado pelo ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio. Mas sem apoiar o MST.
 

O presidente Lula fala poucos segundos com cada pessoa. Numa roda de religiosos, fala de Maurício Corrêa, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) crítico do governo, a quem define como "petulante". O grupo Companhia Barrica, do Maranhão, canta para o presidente, que sobe ao palco, mistura-se aos músicos, todos de branco. Na música "Mulheres", a estrofe: "São tantas Madalenas, filhas de Maria/Meretrizes de luz/E doam seus mistérios/Ao senhor Jesus".
 

Marisa puxa Lula e cochicha: "Vem, vamos embora. Dá tchau "pra" todo mundo e vamos embora". Alguém ensaia puxar uma conversa com o presidente, e Marisa é rápida: "Tchau, pessoal, boa noite, muito obrigada".
 

O comboio de Lula vai embora. Os cardeais, no ônibus, também. "Deus lhe abençoe", diz dom Geraldo Majella a Sarney antes de partir. Começa a segunda parte da festa. Roseana Sarney e Suplicy dançam sem parar. O presidente Sarney tem sono. E se retira para dormir.


@ - bergamo@folhasp.com.br

COM CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME



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