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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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Londres abriga "o último dos exilados"

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1968, a redação do departamento brasileiro da BBC em Londres era bem diferente. Uma equipe de cerca de dez pessoas- um quarto da atual- produzia os noticiários, transmitidos ao Brasil apenas pelas ondas curtas do rádio.
Foi quando o jornalista e escritor Ivan Lessa, 68, desiludido com o Brasil militar, conheceu o escritório no qual até hoje trabalha. "Os brasileiros escutavam muito a BBC na época porque não brigávamos com a notícia. Falávamos em golpe, não em revolução. Estávamos longe da censura", disse Lessa à Folha, de Londres.
Depois de analisar o Brasil à distância por mais de três anos, ele aceitou convite dos amigos para atuar no "Pasquim", no qual escreveu artigos memoráveis.
Muita pressão e três processos depois ("Dois enquadrados na Lei de Segurança e um por ferir a moral e bons costumes, aquelas coisas simpáticas da época..."), decidiu retomar o trabalho na BBC.
Em 1978, pegou o avião para se auto-exilar em Londres e nunca mais pisou no Brasil. "Tive muita decepção, feito a Maria Louca, que saiu batendo os tamancos e dizendo: "De cá, não quero levar nem a poeira". De certa maneira, repeti o gesto, porque o Brasil estava muito, muito chato. A censura...", relembra, dando sinais de que prefere esquecer.
Sua mãe mudou-se para Portugal em 78, e Paulo Francis ("amigo de infância"), fora do Brasil desde 71, ia visitá-lo em Londres. "Não queria ver o que estavam fazendo do meu Rio. E o pessoal foi morrendo. Se fosse amanhã ao Rio, telefonaria para o Jaguar e o Millôr [Fernandes, seus parceiros do "Pasquim']. Indo ao encontro deles, seria assaltado e me chatearia", diz.
Autor da coluna "Livros e Autores", produzida para internet e rádio, ele não se incomoda por estar próximo das notícias brasileiras, mas longe do público. "Antes da internet, tínhamos cartas de ouvintes. Mas era um retorno lamentável, porque perguntavam a origem do nome Big Ben e pediam cartão-postal de Londres."
A BBC hoje concentra-se no público AB, e Lessa sabe disso. "Mesmo tendo o propalado leitor ou ouvinte ideais, nunca consegui visualizar esse camarada."
Considerado pelos colegas da BBC como "o último dos exilados", Lessa é testemunha das mudanças da BBC Brasil: "Quando cheguei, em 68, aqui estava meio pela bola sete. Hoje, a BBC transmite em 43 línguas e há enorme interesse pelo Brasil".
E fala da longevidade na BBC com o humor sarcástico de sempre: "Os chefes foram mudando, e eu, ficando. Daqui a pouco, estou num canto esquecido". (LM)


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