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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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CRÍTICA

"Celebridade", "Fama" e o jornalismo bizarro

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

"A revista da novela "Celebridade" em forma de realidade." Os trânsitos complexos e frenéticos entre o real e o virtual que marcam a modernidade encontraram sua tradução no slogan "genial" que lança o encarte "Fama".
Impressa na cartolina que separa "Fama" (nome do título "produzido" na novela) da revista "Quem", a frase publicitária consegue expressar em menos de um dezena de palavras e com espantosa clareza algo que sintetiza simultaneamente uma sofisticada operação de marketing, uma forma abusada de fazer ficção e uma maneira muito esquisita de fazer jornalismo.
Não é de hoje que confusão deliberada entre ficção e realidade cerca o universo da TV. O jornalismo tradicional de TV, aquele das revistas de fofocas, sempre manipulou essa confusão com grande eficiência, passando registro da vida pessoal do ator/atriz de sucesso na TV para o do personagem da novela muitas vezes sem qualquer mediação. As revistas de celebridades, que de certa forma evoluíram deste tipo de jornalismo, deram vários passos além: nelas, as vidas ditas privadas de famosos é que se tornam uma espécie de novela.
Agora, esse imbróglio chega a uma espécie de paroxismo, com o lançamento de uma "revista" que trata como celebridades os personagens da novela que tem como tema justamente o mundo das celebridades.
Um leitor desavisado, que pegue o encarte "Fama" na sala de espera do dentista entre outras revistas do mesmo gênero, pode ter a desagradável sensação de estar numa realidade alucinatória, no mundo bizarro do SuperHomem, onde a kryptonita é vermelha, ou do outro lado do espelho, onde Alice encontra a lógica de pernas para o ar.
Na capa, a manchete "Separados!" anuncia as brigas entre os principais protagonistas da novela com fotos dos atores caracterizados como seus personagens, ao mesmo tempo em que o casal da vida real Edson Celulari e Cláudia Raia aparecem como eles mesmos. A matéria sobre o cantor Mick Hucknall, que de fato fez shows no Brasil recentemente, tem um box com sua discografia e um parágrafo sobre seu encontro com a empresária Maria Clara Diniz, a personagem de Malu Mader na novela.
A coisa vai além, bem além daquilo que, no editorial de "Fama", é descrito como "um caso de amor entre os dois Brasis", o "de verdade" e o "de mentirinha", como a editora do encarte que assina o editorial chama o Brasil ficcional das novelas.
Diminutiva, mas ainda assim mentira: na palavra escolhida pela editora real do encarte (o divertido expediente lista os nomes e cargos da redação real e, logo abaixo, da ficcional), revela-se aquilo que se espera de nós, telespectadores e leitores: a tolerância com as mentiras e fingimentos que são a matéria comum das novelas, do marketing e desse tipo de jornalismo.


@ - biabramo.tv@uol.com.br


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