São Paulo, quarta-feira, 02 de novembro de 2005

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TELEVISÃO/ANÁLISE

"Mandrake" é a versão masculina de "Sex and The City"

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A estréia de "Mandrake", série brasileira produzida e exibida pela HBO, vem repercutindo. Motivos não faltam.
O trabalho é baseado na obra de Rubem Fonseca, dirigido pelo filho do autor, José Henrique Fonseca, e realizado pela sua produtora independente, a carioca Conspiração, que atua -com bossa e competência -em publicidade, cinema e TV.
Para além do pedigree mais aparente e do cuidado de produção já apontados, a série sugere uma possível semelhança com a bem-sucedida "Sex and the City" (1998-2004). Bem situada no Rio de Janeiro de hoje, com uma ligeira pitada de bom humor, "Mandrake" poderia ser considerada uma versão masculina, meio retrô, do seriado norte-americano, também originário na HBO.
Marcos Palmeira, muito à vontade como o protagonista, dá o tom. Seu Mandrake, como a Carrie de Sarah Jessica Parker, narra a história em tom confessional, em off e na primeira pessoa: "Esse aí sou eu, advogado criminalista. Não julgo, tento entender".
O personagem transita da alta sociedade ao submundo carioca. Sem preconceitos, se envolve com putas, empresários e artistas. É o cafajeste, malandro, herói, anti-herói; um tipo simpático e charmoso, politicamente incorreto, que povoa a ficção literária e cinematográfica brasileira.
De maneira análoga à heroína bem-sucedida de "Sex and the City" -que compartilha com o público as confidências de suas melhores amigas, mulheres dotadas de tipos variados de sensibilidade feminina, nova-iorquinas do limiar do século 21-, Mandrake penetra o universo da subjetividade masculina de um Rio de Janeiro que ainda existe, mas que já estava lá nos anos 50.
As aventuras do advogado detetive são recheadas de revelações pessoais, suas e dos comparsas mais próximos. O personagem se vangloria de inúmeras conquistas. Um pouco como as garotas modernas da crônica de costumes estrangeira, que fez a cabeça do público brasileiro, os machos cariocas esbanjam indiscrição.
Mandrake e seu melhor amigo, o policial Raul (Marcelo Serrado), vão ao banheiro juntos. O lugar é perfeito para fazer as pazes. Mandrake um dia traiu o amigo roubando-lhe o amor de sua vida, para abandoná-lo em seguida.
Já com o sócio Wexler, mais velho (Miele em ótima atuação), o jovem profissional se instrui sobre as aventuras do pai morto, de quem segue cuidadosamente os passos e a profissão.
A mistura é curiosa. Os dois seriados buscam inspiração nas cidades em que as histórias se passam. Ambos se esmeram no tratamento da intimidade. "Mandrake" apresenta um capricho a mais na fotografia em tom noir.
As diferenças realçam o inusitado das semelhanças. Um, no registro da comédia, cheio de luz chapada, lida com perspectivas femininas em tempos de liberação sexual. O outro, em tom de policial, trata de pontos de vista masculinos convencionais. O seriado, à diferença de sua base literária, introduz, com muita sutileza, algum humor no tratamento desses personagens homens, cheios de amor para dar.
"Mandrake", como outros trabalhos patrocinados pela HBO no Brasil e na América Latina, representa um esforço rumo a um formato que ainda estamos para dominar, o do seriado.
Rubem Fonseca é autor bastante adequado para esse experimento, mestre no gênero policial, igualmente pouco enraizado por aqui. O trabalho literário do pai abriu o caminho. O personagem-título tem carisma. O filho, diretor de cinema, com Toni Bellotto e Felipe Braga, escreveu os dois últimos episódios. A série pode pegar, especialmente se ousar ganhar autonomia frente à âncora do texto original.


Esther Hamburguer é antropóloga e professora da ECA-USP

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