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30ª MOSTRA DE SP - Crítica/"Juventude em Marcha"
Português faz filme perturbador
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Inclassificável, o cinema
de Pedro Costa é de uma
originalidade perturbadora. Ele exige do espectador
um outro tempo, hoje negado à
apreciação da imagem, sempre
tão rápida e voraz.
Os planos de seus filmes são
rígidos; a cena, quase sempre
estática, e, no entanto, essa
aparente "imobilidade" se desdobra na proposta de uma
aventura do olhar.
Discípulo assumido do casal
Danièle Huillet e Jean-Marie
Straub (diretores de "Gente da
Sicília"), mas com voz autônoma, Pedro Costa faz um cinema
que não é ficção mas também
não é documentário; um cinema na contramão do espetáculo, que se torna possível a partir
de uma câmera digital; um cinema político em sua carne, e
não em sua temática.
Pedro Costa filma há anos os
mesmos personagens, moradores de Fontainhas, bairro de
Lisboa onde rodou "Ossos"
(1997), "No Quarto da Vanda"
(2000), e, agora, "Juventude
em Marcha". Com essa fidelidade, tão pouco usual, o cineasta procura, em sua própria definição, "documentar uma sensibilidade humana", um tipo de
relação com o mundo que está
em vias de extinção.
Em "Juventude em Marcha",
Pedro Costa se detém em Ventura, um "homem antigo", imigrante cabo-verdiano que trabalhou como operário na construção do museu Calouste Gulbenkian (o mais importante de
Lisboa) e, agora, enfrenta a separação da mulher.
Mais adiante, saberemos
também que Ventura deverá se
mudar para um prédio de apartamentos pequenos, de paredes
brancas, construído pelo governo em meio ao processo de remoção dos barracos de Fontainhas, que foram demolidos.
Originalidade
O filme se constrói a partir
desse duplo impacto na vida de
Ventura: um rompimento
amoroso, "espiritual", e um
rompimento físico -ambos,
porém, radicalmente concretos
em seus efeitos.
Mas o filme não é só isso, ou
seria um documentário. A diferença está na forma com que
Pedro Costa realiza a encenação, sem que ela represente
propriamente uma "direção". É
algo que muda completamente
o estatuto de "Juventude em
Marcha"; é o que confere ao filme sua originalidade radical.
Essa forma específica se desvela, por exemplo, na carta de
amor que Ventura escreve à
mulher. Foi um texto criado em
parceria por Ventura e por Pedro Costa, misturando a visão
de um à de outro e criando, a
partir daí, uma terceira coisa,
que será uma espécie de "leitmotiv" poético-musical.
Existem, ainda, as intervenções de Vanda, personagem do
longa-metragem anterior do cineasta, que reaparece aqui
acompanhada de sua filha pequena em uma longa seqüência
com a presença de Ventura e de
uma televisão ligada, que não
pára de falar, agora no quarto
de seu novo apartamento.
O filme é feito desses encontros, e também do efeito que esses encontros causam sobre as
pessoas e, conseqüentemente,
sobre a película.
Mas é em sua dimensão temporal que "Juventude em Marcha" apresenta uma sofisticação absurda. Pedro Costa filma
os encontros de Ventura com
seus filhos, reais ou imaginários, existentes ou fantasmagóricos -não se sabe ao certo-,
misturando, constantemente,
passado e presente.
A câmera parece transitar
por dimensões diferentes sem
que, para isso, precise recorrer
a qualquer efeito que não seja
interno à lógica do filme (uma
angulação ou uma movimentação, por exemplo).
"Juventude em Marcha" é,
enfim, um convite para que
nosso olhar se perca por dentro
e por entre as imagens, pela
poesia que pode se formar a
partir de uma determinada forma de capturar o mundo. Isto é,
pelo cinema.
JUVENTUDE EM MARCHA
Direção: Pedro Costa
Onde: hoje, às 18h10, no Cinesesc
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