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CARLOS HEITOR CONY
Balzac e os jornalistas
"O jornal é o jornal e o político é o seu profeta", diz o autor de
"A Comédia Humana"
DOIS TEXTOS de Balzac que poderiam ser considerados
marginais, "Monografia da
Imprensa Parisiense" e "Os Salões
Literários", seriam obras circunstanciais e menores de qualquer outro autor, não fosse esse autor o responsável pelo maior monumento literário da humanidade.
Produzidos nos meados do século
19, no tumulto da maior realização
romanesca da literatura universal,
os dois trabalhos bem que poderiam
figurar como apêndice de "A Comédia Humana". Diferem da colossal
galeria de tipos e situações que criaram o primeiro e articulado estudo
da sociedade humana. Mas revelam
o mesmo sopro avassalador que fez
de Balzac o autor único de um único
gênero: o painel que pretendia ser
apenas literário, mas foi considerado por Marx como obra além da literatura, criadora do embrião que geraria a moderna sociologia.
Temos aqui o Balzac puro, autêntico, anedótico quase. Não o artista
de tantas obras-primas que marcaram a ficção do seu século, mas o homem sangüíneo e rude, esbanjando
inteligência e cólera, personificando
o panfletário que ele mesmo define;
"O verdadeiro panfleto é obra do
mais alto talento, se todavia não for
o grito do gênio".
O tema escolhido é a imprensa
-da qual ele pinçou personagens e
situações que persistem na mídia do
início do século 21. Tal como em "A
Comédia Humana", que permanece
como o estudo mais completo da sociedade de seu tempo, seu mergulho
na imprensa parisiense do século 19
pode parecer obra de um genial mistificador contemporâneo que retrata a imprensa de hoje com o disfarce
-permitido na literatura- de outro
cenário a ser atribuído a outro autor.
"Nos jornais da situação, alguns
redatores têm um futuro: tornam-se
cônsules-gerais nas paragens mais
distantes, são nomeados secretários
de ministros, ou cumprem outras
missões oficiais; enquanto que
aqueles da oposição só têm como
asilo as academias de ciências morais e políticas."
"As coisas mais interessantes, os
grandes e pequenos artigos, tudo se
torna uma questão de paginação entre meia-noite e uma hora da manhã, a hora fatal dos jornais, hora na
qual as notícias aparecidas no início
da noite exigem destaque."
"Com os anúncios tomando um
quarto da edição, com as amenidades ocupando um quarto do que resta, os jornais não têm espaço." "Se há
um concorrente para o mesmo posto e alguém quer ser nomeado para
ele, pode impedir a nomeação do rival fazendo badalar a sua por todos
os jornais."
"O jornal é o jornal e o político é o
seu profeta. Ora, os profetas são profetas muito mais por aquilo que eles
dizem do que por aquilo que eles disseram. Não há nada mais infalível do
que um profeta mudo."
"Todo crítico é um autor impotente. (...) A crítica se tornou uma espécie de alfândega para as idéias." "O
redator de amenidades vive nas folhas como um verme na seda. Se
queixa como os sultões de ter prazer
demais." "Para o jornalista, tudo o
que é provável é verdadeiro."
Seria o caso de perguntar se algum
ressentimento pessoal guiou a mão
famosa que emergia daquele burel
que ainda se pode ver no museu Balzac, em Paris.
É possível que, tal como Marcel
Proust no início do século seguinte,
Balzac tivesse suas queixas. Contudo, o próprio Proust, cuja genialidade deve ser comparada à sua, enquadra-se em alguns dos tipos esboçados meio século antes.
Se houve ressentimento, independentemente de seu grau e oportunidade, não vem ao caso. Para quem
traçou com pinceladas igualmente
vigorosas o imenso mural da sociedade, captando a unidade na variedade da condição humana, não importam as motivações que o levaram
a ser tão cáustico.
Ele via o homem de um posto de
observação privilegiado. Distribuía
carapuças como o dono do galinheiro distribui milho às galinhas: enchendo a mão de grãos e jogando
aqui e ali, que cada qual bicasse de
acordo com a sua fome.
Sua meta não era moral. Transcendia ao interesse ético, religioso,
político ou social. Era observador da
comédia da qual também era personagem, testemunha e cúmplice. Daí
um de seus axiomas: "Se a imprensa
não existisse, seria preciso não inventá-la". (Prefácio para a edição de
"Os Jornalistas", de Honoré de Balzac, Ediouro.)
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