São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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ARTIGO

Meu tipo "unforgettable"

WASHINGTON OLIVETTO


Ele nasceu no ano de 1938, em Chicago, nos EUA.
Aos 15 anos, abandonou a escola e arrumou um empreguinho na McCann Erickson local. Com 21, mudou-se para Nova York. Aos 27, já era capa da revista "New Yorker" e tinha mesa cativa no Four Seasons. E, com 34 anos, foi o mais jovem eleito da história do Copywriters" Hall of Fame. No seu discurso de agradecimento, disse: "Comecei no negócio da publicidade como office-boy, mas, quando percebi que os melhores salários e as melhores mulheres ficavam com os caras da criação, mudei para lá".
Seu nome é Ed McCabe.
Encontrei-o pela primeira vez em setembro de 1975, no 1º Festival Internacional do Filme Publicitário, no Rio.
Naquela época, Ed era dono da Scali, McCabe, Sloves, agência que chegou a faturar US$ 1 bilhão por ano. O início dessa agência, em 1967, marca uma das histórias mais engraçadas e bem-sucedidas da publicidade mundial. Naquele ano, Ed dirigia a criação da Ally & Gargano, vivia muitíssimo bem, mas queria mais. Ambicionava montar sua própria agência mas para isso precisava de clientes. Soube que a Perdue Chicken, na época uma espécie de pequena Sadia norte-americana, procurava uma agência.
Ed conseguiu uma reunião com Frank Perdue, dono da empresa, e percebeu na hora que o homem se parecia com um frango, tinha cara de frango. Resolveu dizer isso a ele, argumentando que ninguém melhor do que um sujeito com cara de frango para vender o próprio frango. Convenceu Frank Perdue a ser o garoto-propaganda do seu produto.
A campanha foi um estouro, a Perdue Chicken se transformou numa potência mundial, e Frank Perdue estrelou seus comerciais durante anos e anos. A Scali, McCabe, Sloves também foi um estouro, acabou conquistando outras grandes contas, como a Volvo e a Maxwell, e Ed McCabe virou milionário.
Conheci Frank Perdue em dezembro de 2004, quando o Museu da School of Visual Arts, em Nova York, inaugurou a exposição "The Masters Series", em homenagem a Ed McCabe. Frank Perdue estava lá. Na época, o homem já estava com cara de frango velho. Morreu em abril de 2005.

Talento para empobrecer
Frank Perdue morreu, mas Ed McCabe continua mais vivo e menos milionário do que nunca. Fato nada surpreendente pra quem, desde 1986, quando vendeu a agência e ficou bilionário, tem feito o possível e o impossível para morrer pobre. Só como retrospecto: no mesmo 1986, Ed se separou da segunda mulher e começou a namorar uma modelo francesa. Dizia que sua principal intenção era aprender francês para fazer o rali Paris-Dacar, mas eu, que conheci a moça pessoalmente, posso garantir que seu interesse por ela não era meramente lingüístico.
Namorou também Denise Brown, a irmã mais bonita de Nicole Brown Simpson, mulher do astro do futebol americano O.J. Simpson, e chegou até a prestar depoimento durante as investigações sobre o misterioso assassinato de Nicole.
Teve quatro barcos em diferentes países e naufragou com dois em perigosas aventuras. Ficou noivo de uma artista de rua do Soho e quase casou com ela. Só desistiu porque, um pouquinho antes do casamento, a moça se declarou preferencialmente lésbica, fato que ele comentava com os amigos às gargalhadas. Enfim, Ed McCabe aprontou feito louco e torrou milhões de dólares.
Mas, antes disso e no auge da fama e da fortuna, Ed conseguiu, como sonhava, ser o primeiro norte-americano a fazer o rali Paris-Dacar, tendo como co-pilota uma outra bonita namorada: a fotógrafa de moda Carolyn Jones. No Paris-Dacar, chegou a ocupar o sexto lugar durante dois dias, mas encalhou numas dunas e só não morreu abandonado porque foi salvo pelo campeoníssimo e experiente Jacky Ickx.
A aventura do Paris-Dacar é descrita no seu livro "Against Gravity", publicado pela Warner Books em 1990.
Hoje, oficialmente aposentado e vivendo entre Nova York, Marblehead e Anguilla, suas residências oficiais, Edward McCabe ainda encontra tempo e dinheiro (por enquanto) para viajar pelo mundo.
Na última Semana Santa, foi meu hóspede no Rio de Janeiro, na companhia de sua atual namorada, a curadora de arte nova-iorquina Karen Amiel. Como moro em São Paulo, estive com meu hóspede apenas três dos dez dias que ele passou por lá, tempo mais do que suficiente para uma convivência tão intensa.

Herdeiros
Entre dezenas de telefonemas, perguntas sobre os novos restaurantes, palpites sobre a política, as artes, a arquitetura e o futebol brasileiros, caipirinhas, vinhos e grappas, Ed me falou apaixonadamente sobre os seus dois filhos, que refletem, individualmente, algumas características opostas do pai.
Mark, o mais velho, é o Ed McCabe doce e generoso. Médico-bombeiro, mora em Seattle e trabalha socorrendo gratuitamente as vítimas de incêndios. Colin, o mais novo, é o Ed McCabe empreendedor e ambicioso. Criou há poucos anos a Chop't Creative Salad Company, que está se transformando na Starbucks das saladas.
Ed morre de orgulho dos dois. Ao Mark, dá seu apoio. Ao Colin, suas idéias.
A última das idéias surgiu do fato de que, além de ter as lojas sempre lotadas, a Chop't Creative Salad tem também um bem-sucedido serviço de delivery para escritórios. Como Nova York é uma cidade plana, esse delivery é feito a pé.
Observando o negócio, Ed sugeriu ao filho que subvertesse a pergunta "Como estou dirigindo?", tradicionalmente colocada na traseira de veículos, e mandasse fazer coletes para os entregadores com a pergunta "Como estou caminhando?" impressa nas costas das peças. A idéia virou moda em Nova York.
Sorte de Colin McCabe, que, apesar de não ter cara de salada, periga ficar bilionário com as idéias do pai do mesmo jeito que o senhor Frank Perdue, que tinha cara de frango, ficou.


Este artigo é uma versão reduzida do publicado originalmente na revista "Experience".


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