São Paulo, segunda, 2 de novembro de 1998

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CINEMA - DOCUMENTÁRIOS
Hollywood desperta para a não-ficção

AMIR LABAKI
enviado especial a Los Angeles

O 3º Congresso Internacional de Documentários (IDC3), encerrado na madrugada de sábado, provou: Hollywood desperta para a explosão do cinema não-ficcional. Cerca de mil profissionais vieram a Los Angeles, nos Estados Unidos, debater a estética, a história e a economia desse formato na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
A convite da Academia e da Associação Internacional do Documentário (IDA, na sigla americana), passaram por aqui cineastas do mundo inteiro, de Werner Herzog ao veterano D.A. Pennebaker, de Nick Broomfield ao brasileiro Ricardo Dias.
A multiplicação dos canais de TV, com a consequente ampliação da demanda de produções não-ficcionais, trouxe ao congresso representantes da CBS, CNN, Discovery, E! Entertainment, HBO, National Geographic Channel e Sundance Channel, entre outros.
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Incentivos A parceria com a televisão em vários estágios da produção tem procurado compensar no mundo inteiro a inexistência de incentivos estatais específicos. O risco de certa estandardização dos documentários foi apontado pelo diretor do Sundance Festival, Geoffrey Gilmore.
"A volta da projeção em sala é uma das prioridades", defendeu enfaticamente Ricardo Dias ("No Rio das Amazonas") no debate sobre a produção latino-americana.
O fortalecimento de distribuidores para esse mercado, como a britânica Jane Balfour e o holandês Jan Rofekamp, parece promissor.
Dramatização ou espontaneidade foi o dilema estético que dividiu o IDC3. Werner Herzog, um dos premiados do ano com "Little Dieter Needs to Fly", liderou a ofensiva em favor da utilização de recursos do cinema de ficção na produção de documentários.
No campo oposto, encontravam-se nada menos que os pais do cinema direto, a grande escola documentarista americana da década de 60 baseada na renúncia a todo artifício.
Em seus dois primeiros dias, o congresso parecia uma ininterrupta homenagem a Albert Maysles, D.A. Pennebaker, Richard Leacock e Robert Drew.
Uma raríssima reunião dos quatro líderes do movimento marcou a abertura do evento, na quarta-feira passada, para a apresentação de cópias restauradas da trilogia Kennedy ("Primary"; "Crisis"; "Faces of November").
Inexiste registro comparável da ascensão e queda de John Fitzgerald Kennedy. O estilo despojado do cinema direto preserva o frescor da trilogia.
Richard Leacock resumiu em seis os mandamentos do movimento: "Nada de entrevistas. Nada de tripés para a câmera. Nada de luzes artificiais. Nada de repetições. Jamais dirigir o posicionamento de alguém que está sendo filmado. Jamais intervir no que está acontecendo".
Falando à Folha no dia seguinte, Leacock defendeu que as regras continuam atuais. "Mas a nova revolução é a câmera digital", frisou.
Na tarde da quinta passada, numa mesa sobre o futuro do documentário, Herzog pôs fim ao consenso: "É preciso ir muito além da estupidez do cinema direto, que só arranhou a superfície da verdade. É por meio da fabricação que você pode entrar nas áreas misteriosas". A seguir, lembrou que várias sequências de "Little Dieter" foram encenadas.
A cineasta russa radicada nos Estados Unidos Marina Goldovskaya criticou o radicalismo de Herzog. "Uso o cinema direto quando preciso. Faço entrevistas se acho necessário."
O veterano Albert Maysles subiu então ao palco. Sereno, foi sucinto: "Ser observador e não ter medo de contar a verdade. Não é tão difícil assim conseguir captar a verdade em filme". De pronto Herzog concordou enfaticamente com a cabeça. Uma paz provisória estava selada. Ninguém duvida que o debate adentre o século que se avizinha.
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O jornalista Amir Labaki viajou a Los Angeles a convite do evento.



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