São Paulo, Quinta-feira, 02 de Dezembro de 1999


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Comédia americana ressuscita fantasma da censura no Brasil

Divulgação
A stripper (Salma Hayek) e o anjo (Matt Damon) de "Dogma"



"Dogma" traz cantora Alanis Morissette no papel de Deus, entre outras "blasfêmias'; secretária de Justiça prega censura "moderna" a fitas violentas


IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Uma comédia norte-americana que brinca com a religião católica é a responsável pela reabertura da discussão sobre censura cinematográfica no Brasil.
De um lado, lideranças católicas tentam evitar a exibição do filme. De outro, a secretária nacional de Justiça, Elizabeth Sussekind, defende a fita, mas, ao mesmo tempo, sugere a volta de uma censura "mais moderna", que atue contra imagens violentas e cenas de sexo e drogas em cinemas e meios de comunicação.
Não é o caso de "Dogma", o filme em questão, previsto para estrear no país em 14 de janeiro. Para Sussekind, censurar filmes como "Dogma" seria como censurar "uma idéia". "Sou completamente contra."
Mas em relação a filmes baseados na violência, por exemplo, sua posição é outra: "Eu acho que a sociedade tem de abdicar de uma parte do direito que ela tem se esse direito acaba revertendo contra ela", afirmou a secretária, ciente de que se trata de uma sugestão polêmica.
Prevendo a repercussão de sua posição, a secretária se defende por antecipação: "Várias organizações da área de liberdades individuais, de garantias, vão chiar e dizer que o Ministério da Justiça está querendo censurar, que é a volta da ditadura etc. e tal. Mas eu acho que a sociedade tem de se proteger".

Os católicos
Voltando ao caso de "Dogma", lideranças católicas tentam evitar a exibição do filme. O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, d. Eugenio Sales, pediu a pelo menos um proprietário de uma rede de cinemas que não exiba a comédia.
Já o movimento católico ultraconservador Tradição Família e Propriedade (TFP) quer a proibição pura e simples. O movimento, que está esbravejando contra o filme há mais de dois meses, imprimiu e distribuiu uma petição a seus sócios e simpatizantes.
O documento, intitulado "Não para a blasfêmia!", é endereçado ao ministro da Justiça, José Carlos Dias, e pede "providências imediatas para proibir a importação e exibição do filme "Dogma" em todo o território brasileiro!".
Segundo a TFP, 150 mil petições assinadas já foram reunidas e serão enviadas ao ministério nos próximos dias.
Para o presidente da organização, Eduardo de Barros Brotero, o filme foi produzido por "amorais". Em entrevista distribuída pela assessoria de imprensa da TFP, Brotero diz que "religião, moral, família, nada os sensibiliza. Mas, com toda a certeza, perder dinheiro seguramente incomodará a Miramax (produtora do filme nos Estados Unidos)".

Os números
A Miramax, por sinal, não responde mais por "Dogma", sexto filme do semidesconhecido Kevin Smith (de "Procura-se Amy", 1997) e que traz em seu elenco nomes de relativo peso, como Matt Damon, Ben Affleck, Salma Hayek, Linda Fiorentino e a cantora Alanis Morissette.
O filme mostra uma descendente da família de Jesus que precisa impedir a volta ao paraíso de dois anjos caídos. Assim, salvará o mundo.
Ao perceber que se tratava de um filme polêmico, a empresa, que é vinculada à Disney, vendeu os direitos à pequena distribuidora Lion's Gate. A Miramax já havia feito o mesmo com "Kids", de Larry Clark, em 1995.
Nos EUA, "Dogma" é um pequeno sucesso, mesmo com os protestos de católicos nas ruas. O filme fechou sua terceira semana, no domingo passado, com bilheteria de US$ 21 milhões e a projeção é que saia de cartaz com faturamento de US$ 35 milhões.
Nada que se compare aos US$ 80 milhões de "Toy Story 2" em dez dias, mas para um filme que custou menos de US$ 10 milhões -contra os US$ 90 milhões de "Toy Story 2"- está mais do que razoável.
No Brasil, os direitos foram comprados pela Lumière. "Se houver alguma brecha jurídica que permita a proibição, será um retrocesso", diz Bruno Wainer, diretor-executivo da Lumière.
A empresa pretende distribuir 80 cópias do filme, número alto, de lançamento comercial. Filmes de arte são geralmente lançados no Brasil com 2 a 4 cópias. "Central do Brasil" começou com 36 e, em seu auge, atingiu 80.
Antes, porém, a Lumière deve submeter a sinopse de "Dogma" ao departamento de classificação indicativa do Ministério da Justiça. São três páginas descrevendo o filme, a serem entregues amanhã.
A função do departamento é indicar uma faixa etária para o filme -a maior restrição é liberar para maiores de 18 anos. A Lumière vai sugerir 16. No caso de dúvidas, o responsável pode pedir para assistir a obra em questão -o que não é praxe.


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