|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SHOW
A amizade de Caetano com a música popular americana
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
No fim de semana, Caetano
Veloso fez os dois primeiros
de série de 12 shows beneficentes
em que a base do repertório são
standards norte-americanos, que
comporão CD a ser lançado em
março -"A Foreign Sound".
A apresentação teve lugar no
novo Baretto, o bar do novo hotel
Fasano. Os ingressos custam R$
500 por pessoa e vão para um hospital para pacientes com câncer
de Barretos, no interior de São
Paulo, por indicação do ex-ministro da saúde José Serra.
Na platéia, balançando seus
bling-blings, estava o que já se
chamou "le tout São Paulô", a
prestigiar um dos melhores músicos brasileiros e uma família -a
Fasano- que sempre teve uma
forte ligação com a noite musical
de qualidade da cidade.
Pois a comparação é inevitável:
estávamos todos no Rick's American Bar, o mitológico bar encravado no Marrocos que o personagem de Humphrey Bogart comanda no filme "Casablanca"
(1942). Aqui dentro, no Baretto/
Rick's, um país em que tudo é
possível, a ilha da fantasia; lá fora,
contida, a Segunda Guerra, o nazismo, a África -o Brasil.
Mas os 70 presentes nessa primeira seção da noite de sábado
estão interessados no show. E o
show não decepcionará, com momentos brilhantes e antológicos, e
poucos tropeços. Começa com a
frase, muito cara a Caetano, "O cinema falado é o grande culpado
da transformação", do samba
"Não tem Tradução", de Noel Rosa, uma declaração de princípios
do que virá depois.
É a única em português do bloco gringo que se inicia, que terá
como zona de transição o mix
"Baby" (dele) e "Diana" (de Paul
Anka), nesta noite em versão de
cordas mais pronunciadas, executada por Moreno Veloso (cello
e percussão), Domenico Lancelotti (bateria), Pedro Sá (guitarra)
e Jorge Helder (baixo acústico).
O flerte do músico com o cancioneiro anglo-saxão não é recente. A capa de seu disco "Qualquer
Coisa", de 1975, já "relia" a de "Let
it Be", dos Beatles, e trazia "Eleanor Rigby", "For No One" e "Lady
Madonna"; houve também a gravação posterior de "Billie Jean",
de Michael Jackson, que misturou
com muita felicidade a "Nega Maluca" -embora não tenha dado
sorte com "Black and White".
Nessa noite, a novidade começa
na forma de "So In Love", "I Only
Have Eyes for You" e "Stardust",
que formou muitos casais nos
bailinhos de fim de ano do Yazigi
nos anos 50. A primeira é ele e violão, a segunda ganha um insuspeito pandeiro, a terceira revela
falsetes delicados.
Aqui, Caetano usa o que aprendeu com seu mestre João Gilberto: pegar uma música conhecida,
vivissecá-la, dissecá-la e então remontar tudo outra vez, com as
mesmas partes, mas não necessariamente na mesma ordem e seguindo a sintaxe particular do dr.
Frankenstein musical que comanda a operação -no caso,
baiana. Não costuma dar errado.
Pois não deu errado nesse nem
daria no próximo bloco, mais
contemporâneo, que começa
com uma "Nature Boy" sem grandes novidades, mas chega ao ponto alto do show: "Come as You
Are", do Nirvana . Numa palavra:
sensacional. Para começar, a marcação é dada pelo tamborim. Para
terminar, a linha de guitarra original é refeita no cello e o baixo elétrico renasce no dedilhado do
contrabaixo acústico. Faz lembrar
que, atitude e revolução à parte, o
Nirvana contava com um melodista refinado. A platéia urra.
Segue-se uma "Summertime"
mais blues de raiz do que gerswhiniana ou janisjopliniana, uma
"Love for Sale" (que não estava no
programa) à capella e "Cry Me a
River" com timbau.
Os tropeços. Caetano Veloso
brilha justamente nas canções
norte-americanas reconstruídas
por ele, como as citadas acima.
Mas o mesmo não ocorre quando
ele interpreta os standards como
se fosse um grupo de lounge de
hotel de Manhattan, sem o mesmo talento daquele. É o caso de
"Nature Boy", "Body and Soul",
"Sophisticated Lady".
Mais: não era preciso pagar o
pedágio de "Sampa". Por fim: por
uma questão musical que é quase
geopolítica, não devia cantar "Cucurucucu Paloma", como faz quase no final. É gritante o quanto
mais à vontade ele está na América Latina de Capinan do que na
"América" de Bush.
Aí entra a única música nova de
Caetano na noite: a divertida "Diferentemente", samba-canção
que começa citando Madonna e
termina com "Diferentemente de
Osama e Condoleezza/ Eu não
acredito em Deus".
A noite se encerra com uma
apropriada "The Carioca", que ele
canta com meneios de Carmem
Miranda. No bis, "Love me Tender", quase em falsete, fazendo
um contraponto interessante ao
vozeirão de Elvis, como a avisar
que isso aqui, afinal de contas, é
arte e não karaokê.
O rei do rock é a chave para a
volta a "Casablanca" e a conclusão: a ligação entre Caetano Veloso e a MPNA (a música popular
norte-americana) pode ser o começo de uma grande amizade.
Caetano Veloso
Onde: Baretto (r. Vittorio Fasano, 88,
Jardins, SP, tel. 0/xx/11/3896-4000)
Quando: 5, 6, 12 e 13/12, às 21h e às 23h
Quanto: R$ 500 (todos esgotados)
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Festival: "Feirão" exibe as grandes ofertas nas artes Índice
|