São Paulo, sexta-feira, 02 de dezembro de 2005

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"BEIJOS E TIROS"

Diretor inábil não consegue reciclar imaginário do cinema dos EUA

PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Talvez por Hollywood estar logo ali, Los Angeles é a praça mítica das reciclagens, nos dizem vários filmes norte-americanos. Releituras de gêneros, formas ou temas cinematográficos, às vezes soberbas, como "Los Angeles - Cidade Proibida", que recicla o noir dos anos 40, e "Cidade dos Sonhos", no qual David Lynch vai, cáustico, ao imaginário idílico e fantasioso (produzido pelo cinema de seu país, claro). Em outras vezes, são um tanto desastrosas, como "Beijos e Tiros".
Aqui, o diretor Shane Black põe num liquidificador vários ingredientes, como a comédia de erros, a comédia romântica, o noir, e, como tema, os bastidores da pequena indústria de entretenimento (uma metalinguagem que Black fizera melhor no roteiro de "O Último Grande Herói", 1993).
Larry Lockhart (Robert Downey Jr.) é o ladrão fracassado que invade um teste para atores e, por engano, é descoberto como uma revelação. É enviado a Hollywood, onde se envolve, entre uma gravação e outra, com uma "femme fatale", Harmony (Michelle Monaghan), e em uma trama de assassinato. O investigador Gay Perry (Val Kilmer) azucrinará a vida do inocente ladrão a ponto deste ajudá-lo no caso.
Larry é, quase como o azarado do noir "Com as Horas Contadas" (1950), um homem que procura entender a ordem dos acontecimentos. Acusado de crime que não cometeu, seria também um personagem hitchcockiano, mas o viés aqui é farsesco.
A partir disso, vem então uma aposta na malandragem que só um roteiro de David Mamet ("Mera Coincidência") daria conta de segurar, com seus diálogos cortantes, quase literários.
Com esse cenário, fica claro que "Beijos e Tiros" não consegue fazer uma releitura desses cinemas para criar algo novo, como o faz Tarantino. É um trabalho de imersão, de retalhamento e reconstrução, em que Black, em seu primeiro longa, ainda não exibe destreza. Nem câmera, pois não sabe onde colocá-la no set. Tampouco "timing" para aquilo em que o filme parece apostar, que são as piadas. Filme a dar mais tiros que beijos.


Beijos e Tiros
Kiss Kiss, Bang Bang
 
Direção: Shane Black
Produção: Estados Unidos, 2005
Com: Robert Downey Jr. e Val Kilmer
Quando: a partir de hoje nos cines Cine Bombril 1, HSBC Belas Artes e circuito


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