|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livros
De plebeu a majestade
"Roberto Carlos em Detalhes" analisa trajetória do Rei, revelando primeira musa e "eminência parda" da carreira
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
De "Elvis Presley brasileiro"
e "João Gilberto dos pobres" a
"Rei da canção popular brasileira", a trajetória de Roberto
Carlos é analisada no livro "Roberto Carlos em Detalhes", lançado hoje. O autor da empreitada é o historiador e jornalista
Paulo Cesar de Araújo, 44, que
esteve poucas vezes tête-à-tête
com o cantor, nunca para um
depoimento oficial. Mas que,
em 15 anos de pesquisa, e depois de quase 200 entrevistas
-inclusive coletivas- com Roberto, reuniu material suficiente para fazer um ensaio biográfico sobre o Rei.
Entre as revelações, o ensaio
recupera um personagem decisivo na transformação do cantor em fenômeno musical nacional, o diretor artístico da
gravadora CBS, Evandro Ribeiro. E apresenta uma namorada
e musa "desconhecida" do Rei,
Magda Fonseca, programadora
musical de uma rádio carioca.
O romance de quase quatro
anos teria rendido vários sucessos, entre eles "A Volta" e "Quero que Vá Tudo pro Inferno",
feita enquanto Magda passava
temporada nos EUA.
A inspiração em Magda, defende Araújo, reforça sua tese
de que Roberto tem, desde o
início, uma obra marcadamente "pessoal e autobiográfica".
"Ele canta o que pensa, sente
e vive", diz o historiador à Folha. "Outro dia li um blog em
que alguém dizia sentir falta do
tempo em que o Roberto não
fazia canções pensando em alguém. E citava "Quero que Vá
Tudo pro Inferno". O interessante é que até aí foi um momento de intensa paixão, que
ele estava expressando da forma rebelde, dos anos 60."
"Papai" Imperial
Araújo alterna a cronologia
da carreira do Rei com suas
análises. No capítulo "Roberto
Carlos e a Turma do Subúrbio",
o autor descreve o decisivo encontro de Roberto com Tim
Maia e Erasmo Carlos, dois dos
aspirantes a roqueiros que freqüentavam o bar Divino, no
Rio. Com Erasmo, surgiria anos
mais tarde a longeva parceria.
Com Tim, Roberto chegou até o
homem que iria iniciá-lo na
carreira solo: o produtor musical Carlos Imperial.
Foi Imperial, a quem Roberto chamava de "papai", que
apelidou o cantor de o "Elvis
Presley brasileiro" e o ajudou a
gravar seu primeiro disco. Malfadado flerte com a bossa nova,
"Fora do Tom" rendeu a Roberto o infame apelido de "João
Gilberto dos pobres", que Araújo reputa aos "bossa-novistas
da zona sul carioca". A alcunha
chamou a atenção de Araújo
para o fato de que Roberto foi o
primeiro artista a registrar a influência de João Gilberto, sete
anos antes de outros "discípulos", como Caetano Veloso e
Gal Costa, estrearem em disco.
"Ele sempre foi tratado como
imitador. Mas o cara estava na
cola. E registra isso em disco,
apenas sete meses depois do
João lançar "Chega de Saudade'", ressalta Araújo.
Os conflitos de Roberto com
o meio musical não foram poucos. Além das diferenças com
os bossa-novistas, o Rei viu
muita gente da MPB virar o nariz para o sucesso da jovem
guarda e sofreu críticas pela sua
ausência nos debates políticos,
durante a ditadura. Em sua defesa, teria saído a cantora Silvinha Telles, cuja importância
Araújo diz reconstituir.
"Ela foi a primeira musa da
nascente MPB a defender, avalizar e gravar o Roberto num
momento em que toda a MPB
estava contra ele. Inclusive
Caetano, Bethânia, todos que
anos depois iram aderir", diz.
"Seu" Evandro
Se Imperial foi decisivo pela
persistência, foi Evandro Ribeiro quem moldou o Rei como
conhecemos. Araújo diz que o
diretor da CBS foi responsável
pelo perfil assumidamente popular de Roberto, numa parceria que vai de 1963 a 1983.
"Foi pelas mãos de Evandro
que ele passou a gravar rock e,
depois, começou a fase romântica. Evandro foi espécie de
eminência parda na carreira do
Roberto. Ele não estava tão
preocupado em questões estéticas, em renovar a música brasileira. Não era como André
Midani, que dava apoio a Caetano para fazer "Araçá Azul" e
mandava Odair José gravar
música para as empregadas. Ribeiro não queria "Araçá Azul".
Queria todo mundo fazendo
música para as empregadas."
Araújo também se debruça
sobre o que chama de fase
"apostólica" do Rei, que dura de
1978 a 2000, quando a fé religiosa esteve presente em quase
todos seus discos. O crescendo
dogmático é acompanhado do
transtorno obsessivo-compulsivo de que o cantor vem se tratando. Araújo é otimista, mas
nem tanto: "Ele está cantando
algumas músicas que tinha deixado de lado, o tom da roupa
não está tão claro. Mas, enquanto ele não cantar "Quero
que Tudo Vá pro Inferno", ele
não está curado. É a mesma coisa que os Stones não cantarem
"Satisfaction", porque Jagger
cismou com a palavra."
Texto Anterior: Horário nobre na TV Aberta Próximo Texto: Crítica/biografia/"Roberto Carlos em Detalhes": Livro ajuda a entender melhor a obra do Rei Índice
|