São Paulo, sábado, 02 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livros

De plebeu a majestade

"Roberto Carlos em Detalhes" analisa trajetória do Rei, revelando primeira musa e "eminência parda" da carreira

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

De "Elvis Presley brasileiro" e "João Gilberto dos pobres" a "Rei da canção popular brasileira", a trajetória de Roberto Carlos é analisada no livro "Roberto Carlos em Detalhes", lançado hoje. O autor da empreitada é o historiador e jornalista Paulo Cesar de Araújo, 44, que esteve poucas vezes tête-à-tête com o cantor, nunca para um depoimento oficial. Mas que, em 15 anos de pesquisa, e depois de quase 200 entrevistas -inclusive coletivas- com Roberto, reuniu material suficiente para fazer um ensaio biográfico sobre o Rei.
Entre as revelações, o ensaio recupera um personagem decisivo na transformação do cantor em fenômeno musical nacional, o diretor artístico da gravadora CBS, Evandro Ribeiro. E apresenta uma namorada e musa "desconhecida" do Rei, Magda Fonseca, programadora musical de uma rádio carioca. O romance de quase quatro anos teria rendido vários sucessos, entre eles "A Volta" e "Quero que Vá Tudo pro Inferno", feita enquanto Magda passava temporada nos EUA.
A inspiração em Magda, defende Araújo, reforça sua tese de que Roberto tem, desde o início, uma obra marcadamente "pessoal e autobiográfica".
"Ele canta o que pensa, sente e vive", diz o historiador à Folha. "Outro dia li um blog em que alguém dizia sentir falta do tempo em que o Roberto não fazia canções pensando em alguém. E citava "Quero que Vá Tudo pro Inferno". O interessante é que até aí foi um momento de intensa paixão, que ele estava expressando da forma rebelde, dos anos 60."

"Papai" Imperial
Araújo alterna a cronologia da carreira do Rei com suas análises. No capítulo "Roberto Carlos e a Turma do Subúrbio", o autor descreve o decisivo encontro de Roberto com Tim Maia e Erasmo Carlos, dois dos aspirantes a roqueiros que freqüentavam o bar Divino, no Rio. Com Erasmo, surgiria anos mais tarde a longeva parceria. Com Tim, Roberto chegou até o homem que iria iniciá-lo na carreira solo: o produtor musical Carlos Imperial.
Foi Imperial, a quem Roberto chamava de "papai", que apelidou o cantor de o "Elvis Presley brasileiro" e o ajudou a gravar seu primeiro disco. Malfadado flerte com a bossa nova, "Fora do Tom" rendeu a Roberto o infame apelido de "João Gilberto dos pobres", que Araújo reputa aos "bossa-novistas da zona sul carioca". A alcunha chamou a atenção de Araújo para o fato de que Roberto foi o primeiro artista a registrar a influência de João Gilberto, sete anos antes de outros "discípulos", como Caetano Veloso e Gal Costa, estrearem em disco.
"Ele sempre foi tratado como imitador. Mas o cara estava na cola. E registra isso em disco, apenas sete meses depois do João lançar "Chega de Saudade'", ressalta Araújo.
Os conflitos de Roberto com o meio musical não foram poucos. Além das diferenças com os bossa-novistas, o Rei viu muita gente da MPB virar o nariz para o sucesso da jovem guarda e sofreu críticas pela sua ausência nos debates políticos, durante a ditadura. Em sua defesa, teria saído a cantora Silvinha Telles, cuja importância Araújo diz reconstituir.
"Ela foi a primeira musa da nascente MPB a defender, avalizar e gravar o Roberto num momento em que toda a MPB estava contra ele. Inclusive Caetano, Bethânia, todos que anos depois iram aderir", diz.

"Seu" Evandro
Se Imperial foi decisivo pela persistência, foi Evandro Ribeiro quem moldou o Rei como conhecemos. Araújo diz que o diretor da CBS foi responsável pelo perfil assumidamente popular de Roberto, numa parceria que vai de 1963 a 1983.
"Foi pelas mãos de Evandro que ele passou a gravar rock e, depois, começou a fase romântica. Evandro foi espécie de eminência parda na carreira do Roberto. Ele não estava tão preocupado em questões estéticas, em renovar a música brasileira. Não era como André Midani, que dava apoio a Caetano para fazer "Araçá Azul" e mandava Odair José gravar música para as empregadas. Ribeiro não queria "Araçá Azul". Queria todo mundo fazendo música para as empregadas."
Araújo também se debruça sobre o que chama de fase "apostólica" do Rei, que dura de 1978 a 2000, quando a fé religiosa esteve presente em quase todos seus discos. O crescendo dogmático é acompanhado do transtorno obsessivo-compulsivo de que o cantor vem se tratando. Araújo é otimista, mas nem tanto: "Ele está cantando algumas músicas que tinha deixado de lado, o tom da roupa não está tão claro. Mas, enquanto ele não cantar "Quero que Tudo Vá pro Inferno", ele não está curado. É a mesma coisa que os Stones não cantarem "Satisfaction", porque Jagger cismou com a palavra."


Texto Anterior: Horário nobre na TV Aberta
Próximo Texto: Crítica/biografia/"Roberto Carlos em Detalhes": Livro ajuda a entender melhor a obra do Rei
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.