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MANUEL DA COSTA PINTO
Ressurreição e recusa
Augusto de Campos faz da tradução um acontecimento lingüístico que ilumina um valor inalienável da palavra
OS POETAS concretos consagraram a idéia de que a tradução é a melhor forma de
interpretação da obra literária.
"Poesia da Recusa", coletânea de 15
anos do trabalho tradutório de Augusto de Campos, é a confirmação
(almejada) e a refutação (involuntária) desse postulado.
Confirmação: suas "transcriações" (como preferem os concretos)
de autores como Mallarmé, Yeats e
Wallace Stevens, além de um conjunto de poetas russos (Blok, Akhmátova, Pasternak, Mandelstam,
entre outros), são momentos raros
de ressurreição, na língua de chegada, dos procedimentos poéticos
identificados no original.
Refutação: cada seção do livro é
precedida de comentários que constituem momentos luminosos de ensaísmo, convidando-nos a parafrasear aquela idéia inicial e dizer que a
melhor forma de tradução é menos
o artefato final (o poema vertido) do
que uma hermenêutica que descobre no ato criativo o rigor de uma necessidade.
O termo "necessidade" deve ser
entendido aqui em seu sentido lógico, como decorrência obrigatória de
determinada premissa. Pois é essa a
aposta da aventura transcriadora de
Augusto de Campos: fazer da tradução um acontecimento lingüístico
que ilumine um valor inalienável da
palavra poética.
No caso, esse valor é a "recusa", categoria ao mesmo tempo estética e
ética. Só se traduz aquilo que escapa
ao "aviltamento dos cosméticos culturais" -o que assinala um novo
ponto de inflexão em seu percurso.
Há algum tempo, a tríade dos concretos (composta por ele, seu irmão
Haroldo e Décio Pignatari) elegia
apenas os "inventores", em contraposição aos "diluidores", segundo a
nomenclatura de Pound.
Agora, Augusto opta por um critério menos construtivista, traduzindo autores que "manifestam [...] formas de desacordo com a sociedade
ou com a vida". A formalização da
experiência continua no centro da
expressão poética, mas ela deverá
fundar sua razão de ser. Resulta daí a
convergência entre filosofia da composição e exaltação existencial nos
poetas traduzidos, alguns deles estranhos ao "paideuma" concreto,
que assim se amplia.
A inclusão do barroco alemão
Quirinus Kuhlmann, por exemplo, é
um achado singular: uma poesia de
"especulações permutatórias", com
variações monossilábicas que antecipam os jogos matemáticos dos autores do Oulipo (grupo dos anos 60
capitaneado por Raymond Queneau
e Georges Perec) e estão a serviço
das visões místicas desse autor queimado vivo em 1689.
Vivências traumáticas atravessam
o livro como critério unificador:
blasfêmias e metáforas premonitórias de suicidas como Iessiênin, Marina Tzvietáieva e Hart Crane aparecem ao lado das anti-elegias e da "explosão sonoro-vivencial" do suicida
etílico Dylan Thomas. De cada um
deles, Augusto de Campos recriou
uma preparação para morte que é,
ao mesmo tempo, um gesto de recusa que deflagra a poesia.
POESIA DA RECUSA
Autor: Augusto de Campos
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 54 (368 págs.)
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