São Paulo, sábado, 02 de dezembro de 2006

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FERNANDO GABEIRA

Índios, ecologistas e quilombolas

Qual o conteúdo do que chamamos de diálogo nacional? A transição da ciência para a magia?

SOBROU PARA nós. Em busca de desenvolvimento com magia, uma vez que as fórmulas científicas não o satisfazem, o presidente apontou-nos como um obstáculo ao crescimento.
No fundo, acho que não acredita nisso. Passou algum tempo ao lado do Blairo Maggi (Bagre ou Baggi), talvez tenha se influenciado. Além disso, continua faltando ao seu lado um Sancho Pança: olhe, mestre, olhe bem o que está falando.
Há um certo fascínio pelo modo como cresce a China. Eles superbombearam suas reservas hídricas no norte e são forçados, cada vez mais, a importar grãos e a água que consomem no cultivo. O Rio Amarelo foi poluído e, nas grandes cidades, o ar não é nada bom.
E daí, se a China cresce e aumenta sua cota no comércio mundial? Acontece, em primeiro lugar, que a China paga baixos salários. Em segundo lugar, a destruição de seu meio ambiente é resignadamente aceita porque a grande imagem da China é a de um país superpovoado.
O Brasil é visto como uma potência natural. Se adotarmos um tipo de crescimento insustentável como o dos grandes países do bloco socialista, simplesmente estaremos cometendo um colossal erro estratégico. Nossos produtos seriam rejeitados, como já são alguns produtos que contribuem para o aquecimento global. A insustentabilidade econômica seria acrescida da ambiental.
Faz algum tempo que distingo as fases de Lula. Ele está meio sem censura. Dizer que é ao chegar ao governo que se toma conhecimento das leis ambientais, do Tribunal de Contas, do Congresso.
Ora, muitas das leis ambientais que existem no Brasil foram votadas com o apoio do PT. Na oposição, víamos o Ministério Público e o Tribunal de Contas como aliados no controle democrático.
O que aconteceu na cabeça dele? Nada. São ainda os efeitos da vitória. Entre o primeiro e o segundo turno, andava muito mais cauteloso. Quando se sente desanuviado, beija a mão do Jader Barbalho, compara Newton Cardoso a Pelé.
Tenho sentido muita insegurança nesse tão decantado diálogo. É claro que toda política séria precisa dialogar com aliados e adversários. É uma regra que, como se sabe, vale também para a diplomacia.
Mas nessa, há uma distinção clara entre celebrar o diálogo e analisar seu conteúdo.
Qual o conteúdo do chamado diálogo nacional? A transição da ciência para a magia?
A consciência de que índios, ecologistas e quilombolas são um obstáculo ao crescimento?
Quando houve a Rio-92, no espaço oficial, afirmou-se a importância crucial da diversidade das espécies para a continuidade da vida no planeta. Já no Aterro do Flamengo, afirmou-se o papel-chave da diversidade cultural para a continuidade da vida humana.
O que eles chamam de diálogo, na verdade, é apenas um ritual de acasalamento. O dote das noivas é um documento que fica guardado junto com os outros no palácio. Quando se unem todos, então, e isso acontece também no Rio, transmitem uma idéia de Arca de Noé. Estão todos lá, não sabem exatamente para onde vão, mas o importante é isso, o governo como um barco que acomoda todo mundo. A tarefa consiste apenas em acomodar bem, cuidar dos enjôos esporádicos, manter o barco à tona, sem definir o seu rumo.
O ideal nesse diálogo é que estivessem discutindo. Mas as últimas falas do arquiteto do diálogo tem sido assustadoras. Aliás, esse diálogo, lembra-me outro que aconteceu no avião. Uma velha conhecida entrou no corredor, saudou-me com esta pergunta: tudo sob controle?
-Sob controle está. Só que um pouco atrasado.
Faltou dizer: há a estafa dos controladores, alguns pontos cegos na aerovia, talvez um outro radar envelhecido, enfim, tudo sob controle.
Quando vi toda essa gente no diálogo, cheguei a desejar que discutissem. Seria bom para o Brasil. Agora, sinto-me como um personagem de Herman Melville que dizia invariavelmente esta frase: preferiria não.
Se você participa desse banquete de idéias, você não é civilizado. É desses oposicionistas capazes de usar uma camiseta: Eu não estive no Planalto.
No momento, todos se acomodam no barco. Só daqui a algum tempo ouvirão as vozes da galera: para onde vai esse barco? Ecologistas, procuradores, índios e quilombolas têm apenas de se segurar para não ser lançados ao mar.
O único consolo é pensar, como Churchill sobre os americanos: eles invariavelmente acertam, depois de tentar todas as outras alternativas.


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