São Paulo, quarta-feira, 03 de janeiro de 2001

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POLÍTICA CULTURAL

Divisão de responsabilidades entre governo e iniciativa privada é principal foco de atenções e críticas

Artistas cobram mais ações além das leis

DA REPORTAGEM LOCAL

O triângulo formado entre o governo, o empresariado e a produção cultural é a figura que mais ocupa expectativas e reflexões de artistas e produtores em torno da atuação pública na área.
"O legítimo seria ter as empresas como parceiras do governo na cultura do país. Mas a aplicação do dinheiro público tem que ser um exemplo e ela é uma coisa muito solta, muito equivocada, que carece de um conceito e de critérios sérios", diz a bailarina carioca Márcia Milhazes.
Integrante do Fórum de Artistas e Produtores Culturais de Florianópolis, o coreógrafo Alejandro Ahmed chama de "perverso" o sistema em que "a iniciativa privada tem a responsabilidade sobre a produção da cultura" e defende que o Estado (nas instâncias municipal, estadual e federal) assuma seu papel de fomento. "Não significa produzir diretamente, mas criar condições para que a produção se dê."
O Fórum de Florianópolis é uma das iniciativas assemelhadas ao movimento Arte contra a Barbárie, surgido em São Paulo. O diretor Sérgio de Carvalho, um dos criadores do Arte contra a Barbárie, acha que uma boa política cultural "não prioriza o transitório nem exige o foguetório. Não iguala as qualidades da arte nas cifras das contabilidades. Não confia na boa-fé dos empresários nem delega responsabilidades. Não quer sensibilizar patrocinadores, mas o dia-a-dia das populações pobres. Não esquece que cultura é também construção política".
César Vieira, diretor do Teatro Popular União e Olho Vivo e também engajado no Arte contra a Barbárie, espera que o novo secretário de São Paulo "promova a descentralização, tirando o foco da área central, onde a cultura subsiste sem ações do governo, e voltando-se para a periferia. A cultura tem que estar ao alcance do povo para ser vista e praticada, como exercício de cidadania".
O músico mineiro Fernando Brant, ex-secretário de Cultura de Belo Horizonte, diz que "a cultura ainda é vista como enfeite das administrações" e que precisa ser tratada com mais importância, até em razão de seu potencial de geração de empregos e lucro. Sobre as leis de renúncia fiscal, Brant acha que "não servem para todos que fazem cultura. Acabam sendo usadas pelos produtores mais bem preparados".
O artista plástico Tunga diz que a questão "é de responsabilidade cultural das elites e interesse do governo". "Sou contra a idéia de nações. É necessário que se afirmem as peculiaridades de cada Estado", diz Tunga.
A produtora cinematográfica carioca Mariza Leão afirma que é preciso "caminhar para um modelo diferente do atual -em que toda produção depende de incentivos fiscais e, portanto, fica restrita à visão dos empresários". "Incentivo fiscal não é política cultural", diz ela. O cineasta Carlos Reichenbach acredita que o Estado deveria atuar na criação de "mais condições para que sejam seladas parcerias entre a televisão e o cinema".
O diretor teatral Felipe Hirsch, baseado no Paraná, diz que "sempre foi cético a respeito da relação do governo com produtores artísticos". "Porque não acredito em uma possibilidade de fazer arte que não seja ditada pelo mercado, pelo interesse dos produtores em fazer dinheiro", afirma.
"A política cultural depende da economia", afirma o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, que acredita que a economia do país tende a melhorar e, por extensão, o apoio à cultura.


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