São Paulo, sexta-feira, 03 de janeiro de 2003

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COMENTÁRIO

Espaço revolucionou relação com cinema

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Cinemas costumam nascer com festa e morrer silenciosamente. De uma hora para outra as portas se baixam. Às vezes, os responsáveis não se dão ao trabalho sequer de tirar o letreiro que anuncia o último filme exibido.
Seus destinos também são diversos. O Metro virou igreja evangélica, como o Copan. Outros acabam como estacionamento ou dão lugar a edifícios.
Existe um tanto de especulação imobiliária nisso. Mas a história das salas de cinema de certo modo narra a vida de uma cidade. O fim dos cinemões de bairro, como o Piratininga, no Brás, que tinha uns 2.000 lugares, marca o fim do cinema como grande diversão popular. A agonia das salas do eixo Ipiranga-São João coincide com a decadência programada do centro de São Paulo. Esses não são os únicos fatores. A incompetência é outro.
O Belas Artes, que agora pode encerrar suas atividades, promoveu uma espécie de revolução na maneira de se relacionar com o cinema. Pertencia à francesa Gaumont, que no Brasil era dirigida pelo cineasta Jean-Gabriel Albicocco. Foi a primeira vez que uma grande sala foi dividida levando em conta critérios racionais de uso do espaço e a mudança dos hábitos dos espectadores: em vez de grandes salas com um filme, várias salas médias ou pequenas exibindo vários filmes.
Os franceses foram especialistas nisso. A transformação dos velhos cinemões em multi-salas havia salvado seus grandes circuitos. O som não vazava de uma sala para outra. A projeção era espetacular, controlada por uma central.
As poltronas do Belas Artes, também na tradição francesa, eram um tanto desconfortáveis. No mais, para chegar às salas do andar superior, era preciso uma condição física invejável.
Fazia-se fila na rua. Ninguém reclamava. A programação da Gaumont era essencial para quem quisesse acompanhar o movimento cinematográfico mundial. E a rua ainda não era um lugar insuportável. A fila do Belas Artes era um ponto de encontro.
Depois que a Gaumont deixou o Brasil, o cinema parou nas mãos da Alvorada, que não tinha filmes para manter o perfil das salas, nem investiu em sua conservação ou aprimoramento. A decadência era inexorável. A projeção tornou-se precária. As poltronas pioraram. As paredes se encheram de rachaduras. O cinema passou a cheirar mofo.
Mesmo depois que, há pouco tempo, a programação passou para o grupo Estação, o quadro não se alterou. Por que ir ao Belas Artes se era possível ver mais ou menos os mesmos filmes no Arteplex ou no Espaço Unibanco?
Aliás, o Belas Artes tornou-se tão desagradável que mesmo os filmes exibidos com exclusividade acabavam esquecidos pelo público. O fechamento é uma questão de tempo. A alternativa: uma reforma profunda, que exibidores imediatistas nunca se disporiam a fazer. Do Belas Artes resta a herança dos ensinamentos deixados por Albicocco e bem aproveitados por Adhemar de Oliveira e, mais recentemente, Leon Cakoff.



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