|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMENTÁRIO
Espaço revolucionou relação com cinema
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Cinemas costumam nascer
com festa e morrer silenciosamente. De uma hora para outra
as portas se baixam. Às vezes, os
responsáveis não se dão ao trabalho sequer de tirar o letreiro que
anuncia o último filme exibido.
Seus destinos também são diversos. O Metro virou igreja evangélica, como o Copan. Outros acabam como estacionamento ou
dão lugar a edifícios.
Existe um tanto de especulação
imobiliária nisso. Mas a história
das salas de cinema de certo modo narra a vida de uma cidade. O
fim dos cinemões de bairro, como
o Piratininga, no Brás, que tinha
uns 2.000 lugares, marca o fim do
cinema como grande diversão
popular. A agonia das salas do eixo Ipiranga-São João coincide
com a decadência programada do
centro de São Paulo. Esses não são
os únicos fatores. A incompetência é outro.
O Belas Artes, que agora pode
encerrar suas atividades, promoveu uma espécie de revolução na
maneira de se relacionar com o cinema. Pertencia à francesa Gaumont, que no Brasil era dirigida
pelo cineasta Jean-Gabriel Albicocco. Foi a primeira vez que uma
grande sala foi dividida levando
em conta critérios racionais de
uso do espaço e a mudança dos
hábitos dos espectadores: em vez
de grandes salas com um filme,
várias salas médias ou pequenas
exibindo vários filmes.
Os franceses foram especialistas
nisso. A transformação dos velhos cinemões em multi-salas havia salvado seus grandes circuitos.
O som não vazava de uma sala para outra. A projeção era espetacular, controlada por uma central.
As poltronas do Belas Artes,
também na tradição francesa,
eram um tanto desconfortáveis.
No mais, para chegar às salas do
andar superior, era preciso uma
condição física invejável.
Fazia-se fila na rua. Ninguém
reclamava. A programação da
Gaumont era essencial para quem
quisesse acompanhar o movimento cinematográfico mundial.
E a rua ainda não era um lugar insuportável. A fila do Belas Artes
era um ponto de encontro.
Depois que a Gaumont deixou o
Brasil, o cinema parou nas mãos
da Alvorada, que não tinha filmes
para manter o perfil das salas,
nem investiu em sua conservação
ou aprimoramento. A decadência
era inexorável. A projeção tornou-se precária. As poltronas pioraram. As paredes se encheram de
rachaduras. O cinema passou a
cheirar mofo.
Mesmo depois que, há pouco
tempo, a programação passou para o grupo Estação, o quadro não
se alterou. Por que ir ao Belas Artes se era possível ver mais ou menos os mesmos filmes no Arteplex
ou no Espaço Unibanco?
Aliás, o Belas Artes tornou-se
tão desagradável que mesmo os
filmes exibidos com exclusividade acabavam esquecidos pelo público. O fechamento é uma questão de tempo. A alternativa: uma
reforma profunda, que exibidores
imediatistas nunca se disporiam a
fazer. Do Belas Artes resta a herança dos ensinamentos deixados
por Albicocco e bem aproveitados por Adhemar de Oliveira e,
mais recentemente, Leon Cakoff.
Texto Anterior: Em busca de foco Próximo Texto: Redes apostam em shoppings Índice
|