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Crítica/"Macbeth"
Welles recria Shakespeare em tom pessoal
COLUNISTA DA FOLHA
Em 1947, quando filmou
"Macbeth" (lançado no
ano seguinte), Orson
Welles estava queimado em
Hollywood como um diretor
perdulário e genioso, capaz de
levar um estúdio à falência por
conta de seus caprichos.
Pois bem: ao levar às telas a
tragédia shakespeareana, Wel-
les quis provar o contrário. Rodaria o filme em tempo recorde
e com baixo orçamento.
Disse e fez. Em maio de 47,
para se preparar para o desafio,
encenou a peça em Salt Lake
City com seu próprio grupo de
teatro, o Mercury, e em seguida
aproveitou o elenco e a experiência nas filmagens.
Rodou "Macbeth" em 23
dias, nos modestos estúdios da
Republic. O resultado, deslumbrante, é talvez a melhor adaptação cinematográfica da peça,
contrastando com a versão
exuberante e também extraordinária de Akira Kurosawa,
"Trono Manchado de Sangue".
O entrecho é conhecido: o
nobre Macbeth (Welles) ouve
de três feiticeiras a profecia de
que se tornará rei da Escócia.
Atiçado pela esposa (Jeanette
Nolan), resolve dar uma ajuda
ao destino, assassinando o rei e
tomando seu lugar.
A crise moral, psicológica, social e militar que se segue configura a mais completa parábola
já escrita sobre o poder e sua
vacuidade.
O notável aqui é a maneira
como Welles conseguiu fazer
das limitações materiais da
produção elementos de criação, erigindo uma obra radicalmente pessoal e ao mesmo
tempo à altura da grandeza do
texto de Shakespeare.
A opção crucial, em termos
dramatúrgicos e cenográficos,
foi por um Macbeth bárbaro e
primitivo, vestido de peles de
animais, morando em castelos
que parecem cavernas.
A ambientação é noturna e
soturna, marcada pelas sombras expressionistas e pelos
dramáticos enquadramentos
oblíquos tão ao gosto do diretor de "Cidadão Kane".
Se a ambição humana é uma
cova escura, o "Macbeth" de
Welles é a sua mais perfeita
tradução.
(JGC)
MACBETH
Direção: Orson Welles
Distribuição: Versátil (R$ 44,90 em
média)
Avaliação: ótimo
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