São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2008

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Crítica/"Macbeth"

Welles recria Shakespeare em tom pessoal

COLUNISTA DA FOLHA

Em 1947, quando filmou "Macbeth" (lançado no ano seguinte), Orson Welles estava queimado em Hollywood como um diretor perdulário e genioso, capaz de levar um estúdio à falência por conta de seus caprichos.
Pois bem: ao levar às telas a tragédia shakespeareana, Wel- les quis provar o contrário. Rodaria o filme em tempo recorde e com baixo orçamento.
Disse e fez. Em maio de 47, para se preparar para o desafio, encenou a peça em Salt Lake City com seu próprio grupo de teatro, o Mercury, e em seguida aproveitou o elenco e a experiência nas filmagens.
Rodou "Macbeth" em 23 dias, nos modestos estúdios da Republic. O resultado, deslumbrante, é talvez a melhor adaptação cinematográfica da peça, contrastando com a versão exuberante e também extraordinária de Akira Kurosawa, "Trono Manchado de Sangue".
O entrecho é conhecido: o nobre Macbeth (Welles) ouve de três feiticeiras a profecia de que se tornará rei da Escócia.
Atiçado pela esposa (Jeanette Nolan), resolve dar uma ajuda ao destino, assassinando o rei e tomando seu lugar.
A crise moral, psicológica, social e militar que se segue configura a mais completa parábola já escrita sobre o poder e sua vacuidade.
O notável aqui é a maneira como Welles conseguiu fazer das limitações materiais da produção elementos de criação, erigindo uma obra radicalmente pessoal e ao mesmo tempo à altura da grandeza do texto de Shakespeare.
A opção crucial, em termos dramatúrgicos e cenográficos, foi por um Macbeth bárbaro e primitivo, vestido de peles de animais, morando em castelos que parecem cavernas.
A ambientação é noturna e soturna, marcada pelas sombras expressionistas e pelos dramáticos enquadramentos oblíquos tão ao gosto do diretor de "Cidadão Kane".
Se a ambição humana é uma cova escura, o "Macbeth" de Welles é a sua mais perfeita tradução. (JGC)


MACBETH
Direção:
Orson Welles
Distribuição: Versátil (R$ 44,90 em média)
Avaliação: ótimo


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