São Paulo, Quarta-feira, 03 de Fevereiro de 1999
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OPINIÃO DO CONSELHEIRO
"Weffort deu 'golpe'"

MODESTO CARVALHOSA da Reportagem Local

O advogado Modesto Carvalhosa, 66, membro do Conselho Consultivo do Iphan, dispôs-se a falar sobre a reestruturação no patrimônio, que acredita estar sendo feita seguindo interesses da especulação imobiliária. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual a origem dessas alterações no Iphan?
Modesto Carvalhosa
- O Conselho Consultivo do Iphan negou, em sua reunião em dezembro, a autorização para a construção de um shopping-center e de um parque de diversões em torno da marina da Glória, um empreendimento que iria simplesmente arrebentar com o local, desenhado por Burle Marx e tombado na época com a cláusula "non edificandi". Ou seja, não se pode construir nada no local.
Folha - O que isso provocou?
Carvalhosa
- O prefeito do Rio de Janeiro, que estava muito interessado, chamou os técnicos do Iphan e disse que o conselho era constituído por um grupo de fanáticos e que ele tinha força junto ao governo federal, porque é do PFL, para construir na marra o shopping. E também disse que tomaria providências contra o conselho do Iphan.
Folha - E o que mais?
Carvalhosa
- Por outro lado, o Roberto Marinho quer construir um edifício de 30 andares do lado do Museu de Arte Moderna, sob o pretexto de que, com a construção, dará dinheiro para manter o museu. Uma operação parecida com a do MoMA, de Nova York. Esse empreendimento também, já se sabe, o conselho do Iphan não vai aprovar de maneira alguma, pelo mesmo princípio.
Folha - Qual é a relação com a reestruturação no ministério?
Carvalhosa
- Reação imediata do Ministério da Cultura, por evidente pressão dessas duas figuras: demissão sumária do presidente do Iphan, Glauco Campello, que estava no exterior. Segundo: nomeação de um novo presidente que desconhece completamente o patrimônio histórico na área federal. E que é confessadamente contra o instituto do tombamento, alegando que é uma medida do tempo da ditadura Vargas e que precisa acabar.
Folha - O arquiteto Carlos Henrique Heck?
Carvalhosa
- Um presidente que não tem, absolutamente, condições. O ministro reestruturou o Iphan transferindo a organização para o nível estadual e municipal e prometendo mandar, provavelmente, uma medida provisória alterando a legislação para acabar com o tombamento.
Folha - Isso é possível?
Carvalhosa
- É só neutralizar a figura, criar dificuldades para o tombamento. Mantendo talvez o nome, mas tornando-o inócuo. Pressões políticas levaram a esse verdadeiro golpe de Estado do Ministro da Cultura dentro do Iphan. O discurso dos 60 anos do Iphan termina dizendo: "os governos passam, o Iphan permanece". É uma instituição da República que já sofreu, no tempo do Collor, o mesmo tipo de golpe de Estado. Mas vai resistir de qualquer maneira para impedir que interesses de caráter de especulação imobiliária de grande monta levem a instituição a seu desaparecimento, como parece ser claramente a intenção do ministro Francisco Weffort.
Folha - Qual é a função do Conselho Consultivo?
Carvalhosa
- O conselho consultivo aprova os tombamentos. Só quem pode tombar é o conselho. É o órgão máximo do Iphan. Tem o nome consultivo, mas é deliberativo.
Folha - Como o presidente do Iphan poderá interferir nesse trabalho?
Carvalhosa
- Ele pode não convocar o conselho, e então não se tomba mais nada. Enquanto não houver medida provisória, ele não convoca o conselho. É como um presidente da República, que tem o direito constitucional de convocar o Congresso, não convoca e comanda por decretos-lei. Ele é um interventor lá no Iphan. E o ministério simplesmente vai acabar com os escritórios regionais que defendem o patrimônio, entregando, ao que parece, a fiscalização do patrimônio histórico nacional aos Estados e municípios.
Folha - Qual o problema?
Carvalhosa
- Os Estados não têm capacidade para defender o patrimônio nacional, mal têm para defender o estadual. E entregar isso aos municípios é simplesmente entregar o galinheiro à raposa. Tudo isso por influência da especulação imobiliária. É a razão dessa reestruturação, o que o ministro confessa que vai fazer. O neoliberalismo chegou ao patrimônio histórico. É claro que o Iphan sempre incomodou e continua incomodando a especulação imobiliária. E dessa vez é muito claro que o ministro vai ceder.


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