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"À ESPERA DE UM MILAGRE"
Ambição é virtude e defeito do filme
da Redação
Existe tal profusão de coisas na
ficção de "À Espera de um Milagre" que é fácil perder-se nelas: há
um corredor da morte, prisioneiros maus e outros inocentes, uma
mulher cancerosa e outra compreensiva, um supervisor compreensivo, execuções na cadeira
elétrica, um domador de ratos,
um guarda penitenciário sádico
-por sinal, sobrinho do governador- e outros surpreendentemente bons, um homem capaz de
fazer milagres.
As temáticas também proliferam, às vezes claras, às vezes sub-reptícias: a pena de morte, o racismo, a perversidade, o arrependimento.
Ninguém se espantará que a desigualdade seja a marca desse museu de quase tudo. Em "Um Sonho de Liberdade", seu filme anterior, pelo qual ganhou o Oscar
de melhor roteiro, Frank Darabont havia mostrado surpreendente habilidade em conduzir
"subplots" com energia, ao mesmo tempo em que os usava para
nos tapear sobre as ações do personagem principal -que, disfarçadamente, cavava um túnel e
preparava sua fuga.
Aqui, ao adaptar o romance de
Stephen King, Darabont parece
antes de mais nada ter se detido
sobre um desafio: seria capaz de
juntar tantos elementos num só
filme sem perder o fio da meada?
De fato, os "subplots" são numerosos o bastante para que esqueçamos o essencial: estamos
diante da história de um homem
-o guarda Paul Edgecomb (Tom
Hanks), de uma penitenciária da
Louisiana- cujo destino consiste
em viver com a morte. Ele é o encarregado do pavilhão onde ficam
os condenados à morte; é quem
deve suportar e, se possível, aliviar as tensões do local.
Ali ele receberá o prisioneiro
John Coffey (Michael Clarke
Duncan), um negro quase tão
grande quanto Shaquille O'Neal,
ameaçador, nada bonito. No entanto, Edgecomb perceberá que
esse homem não é o que parece.
Como no "Freaks", de Tod Browning, onde os monstros se revelam mais humanos e sensíveis do
que os humanos, Coffey se mostrará uma criança.
Mas uma criança especial. Coffey tem dons de curandeiro, é um
iluminado, capaz de injetar vida
nos seres que toca, retirando o
mal que ali existe. Também pode
transferir sua imensa vitalidade às
pessoas de que gosta, como Edgecomb.
O filme é narrado em "flashback", e Darabont faz bom uso
disso. A ação principal se dá em
1935, o que ajuda a enfatizar algumas questões que aborda (o racismo, motivo central da condenação de Coffey, e a atmosfera tensa
da era da Depressão, motivo subsidiário).
Ao mesmo tempo, como vemos
Edgecomb velhíssimo, em um
asilo, ele admitirá que a vitalidade
que Coffey lhe transmitiu não deixa de ser uma maldição, pois o
dom da longa vida trouxe, como
amarga compensação, a dor de
ver todos os parentes e amigos
morrerem.
Em suma, "À Espera de um Milagre" está longe de ser um filme
tolo. Suas limitações são proporcionais a sua ambição. Oscilamos
do drama penitenciário à fábula e
daí ao melodrama. Alguns personagens permanecem na tela minutos e minutos sem chegarem a
compor nada mais que um clichê
de vilania -caso de Wetmore, o
perverso filhinho de mamãe.
Em compensação, é impossível
negar certos momentos sublimes.
O melhor deles -aquele que vale
todo o filme- é a cena em que
um condenado à morte vê, pela
primeira vez na vida, um filme. O
filme é "O Picolino". Na cena,
Fred Astaire e Ginger Rogers dançam "Cheek-to-Cheek". O condenado comenta: "O céu existe".
Aí talvez esteja o essencial do filme: o céu existe, sim, mas existe
no cinema. É essa matéria delicada que nunca está onde estamos.
Ou, dito de outra forma: a coisa
mais difícil do mundo é fazer
coincidir o corpo físico e o espírito do homem em um mesmo lugar. Somos a impossibilidade de
articular o físico e o espiritual, o
real e o imaginário. Por um momento isso pode acontecer e a isso
se chamará milagre.
Em seu filme, Frank Darabont
não chega a exprimir satisfatoriamente sua idéia. Mas tenta, o que
não é pouco, e em alguns momentos chega a fazê-lo. Não é tudo, mas é o bastante para distingui-lo num ano em que o Oscar
promete ser de uma mediocridade e de uma baixeza de princípios
assombrosa.
(IA)
Avaliação:
Filme: À Espera de um Milagre (The
Green Mile)
Direção: Frank Darabont
Produção: EUA, 99
Com: Tom Hanks, Michael Clarke Duncan
Quando: a partir de hoje, no Cinearte 1,
Iguatemi 1 e circuito
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